L O A D I N G

JURISDIÇÃO INTERNACIONAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 13.105/2015

Flavia Savio C.S. Cristofaro

In: Coleção Direito UERJ 80 anos – Direito Internacional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 345-366.

 

 

 

SUMÁRIO: I. Introdução – Jurisdição e competência: princípios norteadores; II. Conceito de competência internacional; III. Competência concorrente da autoridade judiciária brasileira: art. 12 da LICC e art. 88 do CPC; IV. Competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira: art. 12, § 1°, da LICC e art. 89 do CPC; V. Conclusão: a fixação da competência internacional na legislação brasileira como decorrência dos princípios da soberania, da efetividade e da proximidade.

 

I. Jurisdição e competência: distinção conceitual

 

O objeto deste estudo é analisar as novas regras sobre competência internacional da autoridade judiciária brasileira introduzidas no ordenamento pátrio pela Lei nº 13.105/2015, que aprovou o novo Código de Processo Civil (doravante “o novo CPC” ou “o CPC de 2015”).

A primeira inovação decorre da alteração do próprio título do capítulo que trata da matéria, rebatizado de “Limites da Jurisdição Nacional”, ao invés do antigo “Competência Internacional”.

A denominação anterior recebia críticas da doutrina na medida em que embora os termos jurisdição e competência sejam, por vezes, utilizados indistintamente, seus conceitos não se confundem.

Enquanto a jurisdição é o poder de julgar, a competência é, no dizer de Pontes de Miranda[1], o poder de julgar “repartido.” É o que Liebman denomina de medida da jurisdição. [2]

Do ponto de vista cronológico, primeiramente se definem os limites da jurisdição no plano internacional, para se saber se determinada causa enquadra-se nos limites da jurisdição daquele Estado. Essa definição leva em conta certos elementos de conexão identificados na lex fori, que ligam o litígio ao foro em causa.

Somente depois de confirmada a jurisdição, é que são analisadas as normas sobre competência interna, para se identificar qual o foro internamente competente para apreciar a demanda. Enquanto a delimitação de jurisdição no plano internacional é objeto de estudo de direito internacional privado – sendo a primeira questão que se coloca qual a jurisdição competente para apreciar certa demanda, antes de se procurar identificar qual a lei aplicável –, a repartição da competência é matéria de direito interno.

Em razão de a fixação dos limites da jurisdição estar conectada à noção de soberania estatal, cada Estado deve, ao definir os contornos da função jurisdicional de seus órgãos, ao definir os limites da sua jurisdição, atentar para a soberania dos demais Estados, buscando tornar efetivas fora de seu território, quando for o caso, as decisões emanadas de seus tribunais[3].

Isso porque o exercício da jurisdição depende da possibilidade de tornar efetiva a decisão, mesmo que isso signifique tenha ela de ser executada fora do território onde proferida. Assim, o cuidado que o legislador deve ter ao estabelecer os contornos da jurisdição, e o juiz ao exercer a tutela jurisdicional, é verificar se a decisão terá condições de se tornar efetiva no foro da execução. Não basta garantir à parte subjetivamente um direito, mas sim garantir-lhe uma prestação jurisdicional passível de se concretizar.

Cândido Dinamarco deixa claro que o conceito de competência é o de mera distribuição do poder jurisdicional entre os diversos órgãos judiciais, sem que seja maculada a unidade da jurisdição. Como poder decorrente da soberania, a jurisdição é a capacidade una de decidir conflitos e impor decisões, sendo a competência o exercício da jurisdição pela pluralidade de órgãos do Poder Judiciário.[4]

Feitas as devidas distinções entre os termos jurisdição e competência, verifica-se que a expressão comumente utilizada sob a égide do CPC de 1973 “competência internacional” não é precisa, pois se trata, na verdade, da definição dos contornos da jurisdição nacional em relação a lides de alguma forma conectadas a mais de um Estado.

Sob outro aspecto o termo “competência internacional” também não é tecnicamente apropriado. Isso porque se trata, na verdade, da extensão da jurisdição nacional para casos que apresentam algum elemento de ligação com outro Estado, como, por exemplo, uma demanda entre partes estrangeiras, ou envolvendo contrato aperfeiçoado em outro país. O que é internacional, portanto, é a natureza do litígio, e não a competência.[5]

Nesse contexto, a jurisdição deve ser compreendida como uma das funções precípuas do Estado, caracterizando-se como o poder do Estado de decidir litígios através do julgamento dos processos que lhe são submetidos.

Juntamente com as funções executiva e legislativa, a função judiciária – ou jurisdicional –, como manifestação do poder soberano do Estado, circunscreve-se aos limites de seu território.

Assim é que cabe a cada Estado determinar, unilateralmente, a extensão da sua jurisdição, ou, como assinala Chiovenda, “o conjunto das causas nas quais pode ele (leia-se o tribunal) exercer, segundo a lei, sua jurisdição.”[6] Daí ser mais adequada a nova denominação do título “Limites da Jurisdição Nacional” constante do CPC de 2015.

 

II. Hipóteses de jurisdição concorrente da autoridade judiciária brasileira mantidas no CPC de 2015 – artigo 21

 

Conceitualmente diz-se que a jurisdição da autoridade judiciária brasileira é concorrente quando se reconhece, paralelamente, a jurisdição de tribunais justiça estrangeiros para apreciar determinada causa.

Em verdade, a jurisdição concorrente nada mais é do que o reconhecimento do poder soberano de outros Estados de estabelecerem os limites de suas respectivas jurisdições, sem que, com isso, seja vulnerada a soberania brasileira no tocante à delimitação de sua própria jurisdição.[7]

No CPC de 2015 a matéria é regulada nos artigos 21 e 22, tratando o primeiro de tais dispositivos das hipóteses de jurisdição concorrente que já eram reguladas no CPC de 1973, em seu artigo 88, com a denominação de “competência concorrente.”

Assim como ocorria no CPC de 1973, a redação dos artigos 21 e 22 do novo CPC evidencia que a concorrência de jurisdição entre o judiciário nacional e tribunais estrangeiros não é expressa na legislação nacional.

Como não poderia deixar de ser, o legislador limitou-se, em ambas as hipóteses, a estabelecer as hipóteses em que o julgador brasileiro é competente, sem impedir que decisões eventualmente proferidas no estrangeiro venham a gerar efeitos no país após o devido processo de homologação.

Tal sistemática encontra-se em consonância com a natureza unilateral da norma processual, eis que o princípio da soberania dos Estados funciona como um impeditivo à interferência do legislador nacional na delimitação da competência internacional de outros Estados.

Fora alguns detalhes de redação sem maior significado, o artigo 21 do CPC de 2015 reproduz as hipóteses de competência concorrente então previstas no artigo 88 do CPC de 1973. Como o objeto deste estudo são as inovações introduzidas no ordenamento brasileiro pelo novo CPC, não iremos nos alongar na análise das normas do citado artigo 21, tratando apenas de alguns conceitos que foram mantidos na novel legislação, a despeito de divergências existentes na doutrina ou na jurisprudência.

Em relação à primeira hipótese de jurisdição concorrente elencada na legislação – réu domiciliado no Brasil – o novo CPC deixou de fora a mera residência como elemento de conexão, assim como já o fizera o legislador de 1973.

No âmbito da doutrina existia a dúvida se a definição de domicílio seria a mesma do Código Civil ou se haveria um domicílio processual específico para a questão da competência internacional.

O domicílio distingue-se da residência porque, enquanto a residência é o local onde a pessoa tem sua moradia, em caráter transitório ou efetivo, o domicílio, para os efeitos da lei civil, somente surge quando a pessoa reside em um determinado lugar com ânimo de ali permanecer em caráter definitivo.[8]

Apesar de a doutrina majoritária reconhecer que o elemento identificador da jurisdição brasileira no caso é apenas o efetivo domicílio do réu no Brasil[9], alguns autores defendiam uma interpretação extensiva da lei para abarcar também o conceito de residência, eis que, na vida prática, por vezes é difícil identificar o domicílio do réu[10]. Uma terceira corrente reconhecia que a interpretação literal do artigo 88, I, do CPC de 1973 apontava exclusivamente o domicílio como elemento de conexão, mas sustentava que, como por vezes é mais fácil identificar a mera residência do réu, do que o seu efetivo domicílio, o critério mais coerente seria reconhecer o foro da residência como foro subsidiário ao do domicílio, devendo-se interpretar que a autoridade judiciária brasileira seria competente também quando o réu tivesse residência no Brasil.[11]

Traçando-se um histórico da evolução da matéria no ordenamento jurídico brasileiro[12], chega-se à conclusão de que foi opção do legislador nacional não adotar a mera residência do réu como elemento identificador da jurisdição de nossos tribunais. Essa opção resta consolidada no CPC de 2015, em que o inciso I do artigo 21 estabelece o domicílio do réu como elemento determinante da jurisdição, e não sua residência.

Todavia, tendo em vista ser mais difícil identificar com precisão o domicílio efetivo do réu do que a simples residência – o local em que o réu se encontra – e considerando que as mais recentes convenções sobre jurisdição internacional apontam a residência como fator de conexão processual[13], talvez devesse o legislador de 2015 ter indicado a residência do réu ao menos como critério subsidiário ao domicílio como elemento de conexão processual.

Ademais, essa opção permitiria que a demanda fosse julgada pelo juiz que está mais próximo do litígio, onde se localiza a residência do réu, resultando na moderna aplicação do princípio da proximidade.

Aliás, também se identifica a influência do aludido princípio da proximidade na definição do domicílio da pessoa jurídica, já existente no parágrafo único do artigo 88 do CPC de 1973, que foi mantida no parágrafo único do artigo 21 do CPC de 2015, eis que se considera domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Com isso, assim como já ocorria em relação ao parágrafo único do artigo 88 do CPC de 1973, o parágrafo único do artigo 21 do CPC de 2015 deve ser interpretado como sendo aplicável apenas no tocante aos negócios firmados pela agência, filial ou sucursal da pessoa jurídica estrangeira que se localizem no Brasil[14], de modo a permitir a apreciação do caso pelo juiz mais próximo de tais negócios. Esse entendimento também se justifica pelo princípio de limitação da jurisdição às causas conectadas com nosso ordenamento jurídico, com o fim de evitar, por exemplo, ação proposta no Brasil por canadense residente no Canadá contra empresa norte-americana por questões surgidas nos Estados Unidos apenas porque a ré tem agência, filial ou sucursal no Brasil.[15]

Em relação às hipóteses de jurisdição concorrente previstas nos incisos II e III do art. 21 do CPC de 2015 não houve qualquer inovação em relação ao que já constava dos incisos II e III do art. 88 do CPC de 1973, não havendo grande discussão quanto à jurisdição concorrente dos tribunais brasileiros no tocante às ações que envolvam obrigação a ser cumprida no Brasil (inciso II) ou fato ocorrido ou ato praticado no Brasil (inciso III).

Do ponto de vista prático, a jurisdição estabelecida no foro onde ocorreu o fato ou ato jurídico e onde a obrigação deva ser cumprida facilita a colheita de provas e o melhor conhecimento pelo juiz dos fatos que embasam a ação, o que significa a aplicação direta do princípio da proximidade.

 

III.    Novas hipóteses de jurisdição concorrente da autoridade judiciária brasileira no CPC de 2015: artigo 22

 

O CPC de 2015 incluiu no artigo 22 novas hipóteses de jurisdição concorrente da autoridade judiciária brasileira que não eram anteriormente previstas no ordenamento brasileiro.[16]

A primeira delas, prevista no inciso I do artigo 22, estabelece a jurisdição de nossos tribunais para julgar as ações de alimentos nos seguintes casos: (a) quando o credor de alimentos tiver domicílio ou residência no Brasil; e (b) quando o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefício econômico no País.

O objetivo dessa norma foi proteger a parte hipossuficiente em uma ação de alimentos, que é justamente o autor/alimentado. As hipóteses do artigo 22 são não cumulativas, ou seja, basta que uma delas esteja presente para que a ação de alimentos possa ser proposta no Brasil. Com isso, garante-se que mesmo que a família tenha residência ou domicílio originalmente em Estado estrangeiro, mas o filho venha a residir no Brasil na companhia de um de seus pais, possa aqui ajuizar ação de alimentos contra o outro que permaneceu no estrangeiro, facilitando o acesso ao Judiciário.

Essa possibilidade não era contemplada no artigo 88 do Código de Processo Civil de 1973, devendo o autor da ação de alimentos, sob a égide de tal Código, propor a ação no foro do domicílio do réu. A hipossuficiência da parte credora dos alimentos é suficiente para que se dimensione a dificuldade de litigar em foro estrangeiro para obter recursos indispensáveis a seu próprio sustento.

Na verdade, o legislador de 2015 apenas fez refletir no novo CPC hipóteses de competência já previstas na Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 01, de 28.02.1996 e aplicada pelo Brasil também aos Estados não signatários (ARAUJO, 2008, p. 498; a Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 10, 13.11.1958; e a Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família, de 23.11.2007, não ratificada ainda pelo Brasil. ***

COMPETÊNCIA NA ESFERA INTERNACIONAL

Artigo 8

Têm competência, na esfera internacional, para conhecer das reclamações de alimentos, a critério do credor:

  1. a) o juiz ou autoridade do Estado de domicilio ou residência habitual do credor;
  2. b) o juiz ou autoridade do Estado de domicílio ou residência habitual do devedor;
  3. c) o juiz ou autoridade do Estado com o qual o devedor mantiver vínculos pessoais, tais como posse de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.

Sem prejuízo do disposto neste artigo, serão consideradas igualmente competentes as autoridades judiciárias ou administrativas de outros Estados, desde que o demandado no processo tenha comparecido sem objetar a competência.

Ademais, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana sobre obrigação alimentar (Decreto Legislativo n. 01, de 28/02/1996, publicado em 29.06.1996) ; a Convenção de Nova York sobre prestação de alimentos no estrangeiro (Decreto Legislativo n. 10, 13/11/1958), e a Convenção de Haia sobre cobrança internacional de alimentos para crianças e outros membros da família.

 

IV. Competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira: art. 12, § 1°, da LICC e art. 89 do CPC

 

O fato de a LICC e o CPC preceituarem ser a autoridade judiciária brasileira exclusivamente competente para julgar as causas elencadas nos seus respectivos artigos 12, § 1º, e 89 significa que decisões estrangeiras proferidas em relação a tais matérias não produzirão efeitos no Brasil.[17]

Como a extensão da jurisdição deriva do princípio da soberania, a redação dos dispositivos em questão não é a mais apropriada tecnicamente, pois, a rigor, o legislador brasileiro não tem poderes para excluir a competência de outros Estados, mas apenas para impedir que determinadas decisões estrangeiras produzam efeitos no país.

Assim, a redação do referido dispositivo legal seria mais correta se dispusesse que “não produzirão efeitos no Brasil as sentenças estrangeiras que versarem sobre…”, que é o que ocorre quando é negada homologação a decisões estrangeiras que versem sobre as matérias relacionadas nos dispositivos em discussão.[18]

O primeiro requisito para que uma decisão estrangeira seja passível de homologação, para poder ser executada no Brasil, é, justamente, a teor do art. 15 da LICC, “haver sido proferida por juiz competente.”

Conforme já analisado, a competência a que se refere o art. 15 da LICC é tão-somente a competência internacional, não sendo função do STJ (antes do STF) verificar se, de acordo com as normas sobre competência interna do país em que foi proferida a sentença estrangeira, o juiz era competente.

Se, por hipótese, o ordenamento jurídico estrangeiro fixar a competência de seus juízes para as matérias reguladas pelo § 1º do art. 12 da LICC e pelo art. 89 do CPC, prevalecerá, no Brasil, a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, de acordo com o princípio da efetividade. Como não geram efeitos no Brasil as decisões estrangeiras que não estejam de acordo com as normas brasileiras sobre competência internacional, a instituição da competência da autoridade judiciária estrangeira terá sido inócua, pois se uma decisão não pode se tornar efetiva, se não pode ser executada, perde sua razão de ser.

A primeira hipótese de competência exclusiva prevista em lei é quando a ação envolver imóvel situado no Brasil.

Sobre o conceito de imóvel, não há divergência quanto à incidência da definição insculpida no Código Civil (anteriormente nos artigos 43 e 44 e agora nos artigos 79 e 80 do Código Civil de 2002).

Por outro lado, a redação abrangente, tanto do art. 89 do CPC, quanto do § 1º do art. 12 da LICC, suscita acirrada divergência doutrinária sobre o verdadeiro significado da expressão “ações relativas a imóveis”, sendo dominante o entendimento de que estão abrangidas pela norma todas as espécies de ações envolvendo imóveis situados no País[19]. Existe, contudo, posição isolada no sentido de restringir a interpretação apenas às ações reais e possessórias.[20]

Segundo Hélio Tornaghi, o imóvel é o solo, e tudo o que a ele acede. Como os imóveis fazem parte do território nacional, não seria possível a um Estado admitir a competência de outro para decidir ações reais relativas a imóveis sob pena de abrir mão de sua soberania.[21]

Jacob Dolinger invoca expressamente os princípios da soberania e da efetividade para fundamentar a competência internacional exclusiva prevista no art. 89, I, do CPC. É com base em tais princípios que se nega homologação a sentenças estrangeiras envolvendo imóvel situado no Brasil.[22]

Considera-se atentatório à soberania nacional a prolação de sentença que viole a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, sendo um dos requisitos para a homologação de sentença estrangeira, como visto acima, ter sido a decisão proferida por juiz competente.

Assim, na verificação da competência a posteriori, em fase de homologação, o princípio da soberania ganha importância, formando com o princípio da efetividade o binômio a ser seguido em matéria de competência internacional.

Universalmente vem se adotando o princípio forum rei sitae, pelo qual se estabelece a competência do foro para julgar as causas envolvendo imóveis nele situados. Por conta disso e em razão do princípio da efetividade, os Estados devem se abster de julgar ações sobre imóveis situados fora de seus respectivos territórios. Como a execução da sentença tem de ser implementada no foro onde o imóvel se localiza, se tal decisão houver sido proferida por juiz incompetente, à luz das normas de competência internacional do foro, não se tornará efetiva.

É o que Arruda Alvim denomina de “necessidade de proximidade da coisa ao juízo”, o que pode ser considerado o ponto de partida para a aplicação do princípio da proximidade em matéria de competência internacional.[23]

A segunda hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, prevista no inciso II do art. 89 do CPC, sem paralelo na LICC, diz respeito a inventário e partilha de bens situados no Brasil.

A distinção que se estabelece entre os incisos do art. 89 do CPC é que, enquanto o inciso I refere-se expressamente a imóveis, o inciso II não faz distinção entre bens móveis e imóveis no tocante à competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para proceder a inventário e partilha de bens situados no País.

Ao analisar o que pode ser considerado bem móvel, Pontes de Miranda alude a uma série de bens que, no seu entender, estariam incluídos no inciso II do art. 89 do CPC. Considera-se bem situado no Brasil todas as coisas móveis que aqui se encontram, tais como peças de mobiliário, dinheiro, jóias, barcos, carros, cofres etc. Também os títulos de crédito emitidos no Brasil, as ações de empresas brasileiras e as de empresas estrangeiras com filial ou agência no Brasil, estas últimas porque “ação é título e o bem, que ela exibe, está no ato constitutivo da empresa situada no Brasil.” Para Pontes de Miranda, o dinheiro depositado em estabelecimento bancário situado no Brasil é igualmente tido como bem móvel aqui situado, desde que não haja a ressalva de que não será sacado em filial ou agência do banco situada no estrangeiro, ou tenha como destino ser remetido em determinada data para outro país.[24]

É irrelevante a nacionalidade do autor da herança ou o local de seu último domicílio, bastando que existam bens localizados no território brasileiro para se fixar a competência judiciária nacional.

Se também houver bens em outros Estados, admite-se a quebra da unidade do juízo sucessório, restringindo-se a competência brasileira para os inventários e partilhas dos bens aqui situados.

Apesar de a redação do dispositivo sob análise falar genericamente em “partilha de bens”, doutrina e jurisprudência interpretam a norma apenas em relação à partilha mortis causa, coerentemente com a referência a “autor da herança”.

Diferentemente da hipótese de competência exclusiva prevista no inciso I do art. 89, a do inciso II não tem respaldo no princípio da soberania, eis que a própria natureza dos bens móveis afasta a aplicação de tal princípio.

Também o princípio da efetividade pode não se concretizar nessa hipótese se, no curso do inventário, o bem móvel deixar de estar localizado no Brasil. De todo modo, mesmo com fundamento no princípio da proximidade, a exclusividade de competência nesse caso não se justificaria, sendo suficiente o reconhecimento da competência concorrente da autoridade judiciária brasileira.

 

V. Conclusão: a fixação da competência internacional na legislação brasileira como decorrência dos princípios da soberania, da efetividade e da proximidade

 

Segundo Catherine Kessedjian, no mundo contemporâneo, em que o acesso à justiça é alçado à categoria de direito fundamental, a doutrina clássica da competência internacional fundada simplesmente na localização de pessoas e bens no território dos Estados (competência territorial) e na nacionalidade dos indivíduos (competência nacional, como vigora na França) não mais se justifica. Nessas circunstâncias, a referida autora sugere uma renovação do conceito do que se entende por elo de ligação significativo entre o litígio e o juiz chamado a julgar a demanda, sustentando dever prevalecer a noção de “grupamento de pontos de contato” para se determinar essa ligação estreita entre a lide e seu julgador.[25]

Jacob Dolinger, em curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia, em 2000, tratou do princípio da proximidade no tocante à indicação da lei aplicável.[26] O mesmo raciocínio ali desenvolvido pode – e deve – ser aproveitado na definição da competência internacional. Segundo o referido autor, o princípio da proximidade consagra a corrente universalista de direito internacional privado, segundo a qual o conflito de leis – e entendemos que também o conflito de jurisdições – deve ser compreendido, e solucionado, como uma questão de natureza internacional. Assim, da mesma forma como no conflito de leis os universalistas preconizam a aplicação do sistema jurídico que guarda mais conexão com a demanda, em matéria de competência internacional deve-se buscar o julgamento da causa pelo juiz que lhe é mais próximo, que tem melhores condições de apreciar os elementos envolvidos na disputa entre as partes. Com isso, busca-se garantir a prestação de tutela jurisdicional pelo juiz que está, no plano internacional, melhor posicionado para apreciar a demanda e garantir a efetividade da decisão proferida.

Paralelamente a esse conceito de proximidade da coisa litigiosa ao juízo, há que se considerar os princípios da efetividade do processo e da soberania do Estado como norteadores da repartição da competência no plano internacional. Dessa forma, as reflexões aqui apresentadas partem da conjugação desses três elementos, procurando-se apontar o meio-termo que possibilite garantir, ao mesmo tempo, (i) o respeito à soberania do Estado no julgamento exclusivo das matérias que envolvem interesses de ordem pública; (ii) a efetividade das decisões judiciais nos Estados em que tiverem de ser executadas; e (iii) o julgamento da causa pelo juiz que, no plano internacional, está melhor localizado para julgar a demanda, mais próximo dos elementos da causa.

A análise aqui desenvolvida demonstra que embora os princípios da efetividade e da soberania estejam presentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacionais, ainda é incipiente o conceito de garantir o julgamento da ação por juiz que guarde ligação substancial com as circunstâncias em discussão. Ainda assim, as regras dos incisos II e III do artigo 88 do Código de Processo Civil (e a norma prevista na parte final do caput do artigo 12 da Lei de Introdução ao Código Civil) acabam por alcançar esse efeito prático, ao prever a competência dos tribunais brasileiros para julgar as causas envolvendo obrigação a ser cumprida no Brasil e ato praticado ou fato ocorrido em território nacional.

Ademais, a circunstância de a competência dos juízes e tribunais nacionais, em razão das citadas normas, ser meramente concorrente possibilita, ao menos em tese, o julgamento da causa em foro estrangeiro que tenha ligação mais estreita com a matéria litigiosa.

Por outro lado, em matéria de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil, e também de obrigação a ser aqui cumprida, os princípios da efetividade e da soberania caminham lado a lado, na medida em que a soberania do Estado para apreciar eventos ocorridos em seu território, e obrigações a serem aqui adimplidas, é mitigada pelo reconhecimento da competência concorrente estrangeira, sobretudo quando a decisão tiver de ser efetivada em outra jurisdição.

Já a fixação da competência em virtude de ser o réu domiciliado no Brasil não guarda, como poderia parecer em princípio, apenas norma de proteção aos domiciliados em nosso País, mas também justifica-se pela maior facilidade de se executar a decisão judicial no foro onde o réu está estabelecido, onde desenvolve suas atividades e onde, normalmente, encontram-se os seus bens.

Também a exclusividade de competência inserida no artigo 89, I – ou, melhor dizendo, o não reconhecimento de sentenças estrangeiras que decidam lide envolvendo imóveis situados no Brasil – relaciona-se com os princípios da efetividade e da soberania.[27]

Lembrando o ensinamento de Hélio Tornaghi, “de que o imóvel é o solo, e tudo o que a ele acede”, a jurisdição exclusiva encontra respaldo na soberania do Estado para julgar ações relativas a imóveis como parte integrante do território nacional. Por outro lado, essa norma também está em sintonia com a efetividade da decisão, pois esta deverá ser executada no local onde o imóvel está localizado.

A clássica regra do forum rei sitae é unanimemente aceita nas convenções internacionais sobre o tema e, sem dúvida, está em consonância com o princípio do julgamento da causa pelo juiz que lhe é mais próximo.

No meu entender, a única norma que destoa de todos esses princípios é a do inciso II do artigo 89, que prevê a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para processar inventários e partilhas envolvendo não apenas imóveis, mas também bens móveis, situados em território nacional. Ora, o inventário e a partilha de bens imóveis já estariam alcançados pela norma do inciso I. No que toca aos móveis, sua própria mobilidade – especialmente reforçada pelos avanços tecnológicos que reduziram distâncias no mundo contemporâneo – não justificaria a exclusividade de competência pelos princípios em questão. Poder-se-ia até mesmo admitir a competência concorrente da autoridade judiciária brasileira, mas não impedir o reconhecimento de sentenças estrangeiras se o bem poderia, no curso do processo, sequer encontrar-se no Brasil.

Ao retratar o mundo nos anos que antecederam a Revolução Industrial, Eric Hobsbawn diz que este era “ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso.[28] O mundo era menor em termos espaciais, as pessoas viviam e morriam próximas de onde tinham nascido, e maior em razão das dificuldades e incertezas, dos problemas de comunicação e transporte, que distanciavam as cidades, as comunas, as pessoas. Nos dias atuais, uma nova e ainda mais profunda redução das dimensões mundiais é devida, de um lado, à evolução e ao barateamento dos meios de transporte, que permitem o trânsito de mercadorias ao redor do planeta em grande velocidade, e, sobretudo, à revolução eletrônica, à internet, à comunicação, em tempo real, estabelecida entre os agentes econômicos. Hoje, transferências internacionais de recursos são feitas instantaneamente. Neste mundo “globalizado”, o local em que um bem móvel ou um direito está situado em um momento específico pode deixar de ter sentido, especialmente quando esses bens e direitos, por vezes, são meramente “virtuais”.

Mesmo em relação aos imóveis aqui situados, uma solução apropriada seria admitir a competência concorrente de juízes estrangeiros para processar inventários e partilhas, mas condicionar a validade de tais procedimentos em território nacional ao pagamento dos respectivos impostos de transmissão. Com isso não se estaria estimulando a quebra da unidade do juízo sucessório, e se estaria, ao mesmo tempo, evitando que os herdeiros domiciliados em outros Estados se vissem obrigados a abrir inventário no Brasil para partilhar um único bem aqui situado, de propriedade de de cujus que também não mantinha qualquer ligação com a jurisdição brasileira.

Na prática, o que se está preconizando é a volta do regime que vigorava antes da edição do Código de Processo Civil de 1973, como ocorreu na homologação de sentença estrangeira n° 2.111, proveniente do Chile[29].

Um aspecto que entendo poderia ser aperfeiçoado na legislação nacional seria a inclusão de norma expressa prevendo a competência dos tribunais nacionais em garantia à efetividade das decisões judiciais. Nesse sentido, o legislador poderia aproveitar a experiência proposta no Anteprojeto Haroldo Valladão[30], inserindo no ordenamento brasileiro disposição estabelecendo a competência da Justiça brasileira se apenas no Brasil for possível efetivar o direito em causa.

Disposição dessa natureza tem como função garantir que a tutela jurisdicional seja de fato prestada, mesmo que o caso, à primeira vista, não apresente elo de ligação com o Brasil. Nessas circunstâncias, verifica-se que a relação de proximidade entre o litígio e o foro não deve ser absoluta, de modo a não desvirtuar o próprio fim de tal princípio, que é consagrar o acesso à justiça.

Conjugando-se todos os princípios abordados neste estudo, conclui-se que, enquanto a soberania determina a delimitação da jurisdição no plano internacional, o princípio da efetividade deve ser perseguido na fixação das regras de competência internacional, surgindo o princípio da proximidade justamente como uma solução inovadora a permitir que, sendo a causa julgada pelo juiz mais próximo ao litígio, se torne mais fácil a instrução do processo e a posterior execução da decisão proferida, garantindo a efetividade da tutela jurisdicional perseguida pelas partes.

 

[1]     Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, atualização legislativa de Sergio Bermudes, 3ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 208.

[2]     “Em outras palavras, ela (leia-se a competência) determina em quais casos e em relação a quais controvérsias tem cada órgão, individualmente considerado, o poder de emitir provimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas.” Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, v. 1, trad. Cândido Rangel Dinamarco, 3ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 81. Reportando-se à Liebman, Antônio Carlos Marcato também adota a noção de que a competência é a medida da jurisdição: “Daí tradicionalmente dizer-se que a competência é a medida de jurisdição de cada órgão judicial, isto é, ela quantifica a jurisdição a ser exercida pelo órgão judicial singularmente considerado; ou, na lição de Liebamn, ela determina, para cada órgão singular, em quais casos, e em relação a quais controvérsias, tem ele o poder de emitir provimentos, delimitando em abstrato, ao mesmo tempo, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas.” Antônio Carlos Marcato, “Breves Considerações sobre Jurisdição e Competência”, Revista de Processo. São Paulo, v. 66, abr./jun. 1992, p. 26.

[3]     Arruda Alvim define com precisão este aspecto: É rigorosamente inócuo ao Estado nacional pretender disciplinar problemas atinentes à jurisdição ou competência de outros Estados, pois esta disciplina, em sua efetividade, repousa no pressuposto da soberania, isto é, de onde dimanam a efetividade ou eficácia das normas respeitantes ao tema, no sentido de que, fundamentalmente, valem as normas jurídicas pela sua eficácia.” Arruda Alvim, “Competência Internacional”, Revista de Processo. São Paulo, v. 7-8, jul./dez. 1977, p. 24.

[4]     Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 322-323.

[5]     Osiris Rocha leciona que como não há um Superestado, não se deve falar em competência internacional propriamente dita. Osiris Rocha, Curso de Direito Internacional Privado, 4ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 160.

[6]     Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civi , v. 2, trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.

[7]     Donaldo Armelin define com precisão o que vem a ser a competência concorrente à luz do princípio da soberania: “A competência internacional concorrente disciplinada no art. 88 do Código comporta a atuação paralela de jurisdição estrangeira sobre a mesma causa sujeita à jurisdição brasileira. Evidentemente, esta admissão de paralelismo de atividades jurisdicionais por parte de tribunais alienígenas diz respeito à aceitação do resultado de tais atividades pelo ordenamento jurídico nacional. A admissão ou vedação daquelas atividades, enquanto tais, não teria sentido eis que, em se tratando de funcionamento normal de um dos poderes inerentes à soberania estatal, careceria de condição e eficácia qualquer pretensa proibição emergente de outra soberania. Daí a forma indireta de aceitação ou rejeição dessa atividade, consubstanciada na repulsa ou incorporação do resultado da mesma, ao ordenamento jurídico nacional.” Donaldo Armelin, “Competência Internacional”, Revista de Processo. São Paulo, v. 2, abr./jun. 1976, p. 148.

[8]     Art. 70 do Código Civil de 2002; art. 31 do Código Civil de 1916.

[9]     Miguel Maria de Serpa Lopes, Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil, v. III, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 83/84; Pontes de Miranda, op. cit., p. 224; José Carlos Barbosa Moreira, “Problemas Relativos a Litígios Internacionais”, Revista de Processo. São Paulo: v. 65, jan./mar. 1992, p. 146; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 296.

[10]   Oscar TENÓRIO, op. cit., p. 357/358; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 305;  Amilcar de Castro, op. cit., p. 509-510.

[11]   Arruda Alvim, op. cit, p. 26; Donaldo Armelin, op. cit., p. 149.

[12]   A antiga Introdução ao Código Civil de 1916 estipulava em seu art. 15 que “rege a competência, a forma do processo e os meios de defesa a lei do lugar onde se mover a ação; sendo competentes sempre os tribunais brasileiros nas demandas contra as pessoas domiciliadas ou residentes no Brasil por obrigações contraídas ou responsabilidades assumidas neste ou em outro país.” Quando a mencionada lei foi substituída pela LICC, aprovada pelo Decreto-lei n° 4.657, de 04 de setembro de 1942, e alterada pela Lei n° 3.238, de 1° de agosto de 1957, a regra do art. 12 passou a indicar apenas o domicílio como identificador da competência concorrente dos tribunais brasileiros, tendo sido excluída a referência à residência do réu constante da legislação anterior.

[13]   O Código Bustamante, em seu artigo 324, prevê a residência do réu como critério subsidiário ao domicílio para identificar a competência nos Estados Contratantes. Já a Convenção da Haia de 1971 sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial aponta a residência diretamente como elemento de fixação da competência internacional (artigo 10, alínea 1). A Convenção Interamericana de 1984 sobre Competência na Esfera Internacional para a Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras, por sua vez, coloca o domicílio e a residência no mesmo patamar de importância, podendo a ação ser proposta no foro do domicílio ou da residência do réu, a critério do autor. O Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual mantém o domicílio do réu como critério de determinação da competência internacional, mas na definição de domicílio prevê a mera residência como critério subsidiário, ao dispor que o domicílio é a residência habitual da pessoa física; na falta de indicação da residência habitual, recorre-se ao centro principal dos negócios do demandado e, em último caso, ao local onde este se encontre (art. 7°, “b” c/c art. 9°).

[14]   Celso Agrícola Barbi, op. cit., p. 296.

[15]   A interpretação em causa encontra eco nas convenções internacionais sobre o tema. Na Convenção da Haia de 1971 sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial, a alínea 2 do art. 10 dispõe nesse sentido. A Convenção Interamericana de 1984 sobre Competência na Esfera Internacional para a Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras trata do tema na alínea 3 do art. 1°. Já o Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, apesar de conter norma no mesmo sentido, faculta ao autor da demanda ajuizá-la perante o foro do local onde está situada a sede principal da administração da ré pessoa jurídica, mesmo em se tratando de negócio envolvendo sucursal, agência ou estabelecimento situado em outro Estado.

[16]Art. 22.  Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:

I – de alimentos, quando:

  1. a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil;
  2. b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos;

II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;

III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.”

[17]   “Art. 89 – Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.”

[18]   Arruda Alvim distingue com maestria competência concorrente de competência exclusiva: “O que ocorre, na verdade, no caso do art. 88, do CPC brasileiro é que a jurisdição nacional concorre com as estrangeiras. Na hipótese do art. 89 não há que se falar propriamente em improrrogabilidade, senão em carência de poder das jurisdições estrangeiras.Op. cit., p. 29.

[19]   Haroldo Valladão, Direito Internacional Privado, v. II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978, p. 232; Donaldo Armelin, op. cit., p. 151; Arruda Alvim, op. cit., p. 32; Pontes de Miranda, op. cit., p. 225; Celso Agrícola Barbi, op. cit., p. 298.

[20]   Hélio Tornaghi, op. cit., p. 308; Miguel Maria de Serpa Lopes, op. cit., p. 120-121.

[21]   Hélio Tornaghi, op. cit., p. 308.

[22]   Jacob Dolinger, “Brazilian International Procedural Law”. In: Jacob Dolinger, Keith Rosenn. A Panorama of Brazilian Law. Miami/Rio de Janeiro: North-South Center e Ed. Esplanada Ltda., 1992, p. 356.

[23]   “A razão de as ações reais imobiliárias serem ajuizadas no foro da situação da coisa é a necessidade que tem o juízo de ficar mais próximo do bem imóvel, sobre o qual versa o litígio, para se realizarem rápida, eficaz e economicamente as diligências necessárias.” Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, v. 1, 5ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 240.

[24]   Pontes de Miranda, op. cit., p. 195-196.

[25]   “Les compétences reconnues aux Etats par la doctrine classique sur les biens et les personnes situés sur leur territoire (compétence territoriale), sur leurs nationaux même non présents sur leur territoire (compétence personnelle) et relatives aux services publics, nous paraissent aujourd’hui dépassées compte tenu de la complexité des relations internationales et ne sont plus aptes à justifier les nombreuses hypothèses dans lesquelles un juge national se reconnaît compétent pour statuer sur un litige. C’est pourquoi, avec l’essor considérable des droits de l’ Homme, l’accès à la justice étant considéré aujourd’hui comme l’un de ces droits fondamentaux, la compétence juridictionnelle directe des Etats doit être forgée à partir d’une conception rénovée du lien significatif ou substantiel entre le juge saisi et le litige. La notion de ‘groupement de points de contact’ est ici très utile pour déterminer la localisation de ce lien substantiel ou significatif.” Catherine Kessedjian, “Vers Une Convention à Vocation Mondiale en Matière de Compétence Juridictionnelle et D’ Effets de Jugements Étrangers”, Revue de Droit Uniforme. Roma: Unidroit, v. 2, 1997, p. 680.

[26]   Jacob Dolinger, “Evolution of Principles for Resolving Conflicts in the Field of Contracts and Torts”, Recueil des Cours. Haia: Kluwer, t. 283, 2000, p. 376 e seguintes.

[27]   Jacob Dolinger, “Brazilian International Procedural Law”, p. 356.

[28]   Eric Hobsbawm, A Era das Revoluções, 3ª ed.. Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d, p. 23.

[29]   “Sucessão aberta no estrangeiro. Partilha ali processada, compreendendo bens situados no Brasil. Homologação de sentença deferida, sujeita sua execução ao pagamento dos tributos devidos pela transmissão, e em conformidade com as leis brasileiras.” STF, Pleno, SE n° 2.211-Chile, Rel. Min. Thompson Flores, 05.12.1973, RTJ 68/27.

[30]   Na década de 1960, Haroldo Valladão redigiu um anteprojeto de reformulação da LICC, intitulado “Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas”, que, apesar de apresentado ao Congresso Nacional em duas ocasiões (1970 e 1984), não chegou a ser aprovado. Verifica-se no referido Anteprojeto uma preocupação com a efetividade das decisões judiciais, pois não apenas havia um dispositivo expresso nesse sentido, prevendo a competência da Justiça brasileira se “apenas no Brasil fosse possível efetivar o direito em causa”, como também havia outra disposição admitindo a competência dos tribunais nacionais se o réu possuísse bens no Brasil. Assim, seria mais fácil executar decisão de procedência do pedido.

Art. 66, § 1º: Além dos casos determinativos de competência constantes do Código de Processo Civil e de outros textos legais, são os tribunais brasileiros competentes: (…)

  1. c) se o réu possuir bens no Brasil;
  2. d) se apenas no Brasil for possível efetivar o direito em causa.