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As 3 Leis dos Robôs de Investimento
Ciro Silva Martins
Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-3-leis-dos-robos-de-investimento-23082019
A imagem do mercado financeiro associada aos sonoros pregões das bolsas de valores, repletos de empurrões e gritaria ao telefone, parecem remontar a uma época longínqua. Na medida em que essas imagens confusas de homens gritando para um telão vão se dissipando, vão sobrando apenas os sutis cliques dos teclados, realizando ordens de compra e venda online. E não para por aí. Paulatinamente, as pessoas também vão desaparecendo desse quadro e o mercado financeiro vai se tornando cada vez mais abstrato e não humano.
Esse é o resultado da emergência de variados sistemas automatizados de prestação de serviços financeiros. Por meio de algoritmos[1] destinados a fornecer desde conselhos sobre gestão de carteiras até a escolha de um seguro mais adequado, novos modelos de negócios têm surgido com a promessa de reinventar os produtos e serviços oferecidos até agora. Essas novas tecnologias são potencialmente capazes de fornecer tais produtos e serviços financeiros com qualidade, menor custo, transparência e com ganho de escala, ampliando o acesso do público em geral aos benefícios do mercado financeiro.
Dentre as inovações destacam-se os robôs de investimento – serviços que utilizam algoritmos para recomendações de investimentos, administração de carteiras de valores mobiliários e realização de operações de compra e venda de ativos, tecnologia que pretende revolucionar a forma como recebem é feita a assessoria de investimentos e a dinâmica de trocas no mercado de capitais.
Em termos gerais, existem duas espécies de robôs de investimento: os robo-advisors e os robôs de ordem. Numa definição sintética adotada pela Securities and Exchange Commision – SEC, robo-advisors são caracterizados pelo “uso de tecnologias inovadoras pra fornecer serviços de administração discricionária de ativos para seus clientes por meio de programas baseados em algoritmos online”[2]. O modelo de negócio desses robôs de gestão e/ou consultoria de valores mobiliários envolve a prospecção de informações sobre os investidores (seja por meio de questionários padronizados ou pela intervenção humana) para, a partir desses dados, utilizar um algoritmo que, por sua vez, irá poderá traçar o perfil do investidor, gerar recomendações de investimentos e até mesmo administrar carteiras de ativos, executando negociações e rebalanceando a carteira periodicamente.
Se no passado, devido ao alto custo, a assessoria financeira era reservada a um público seleto de investidores, agora – substituindo-se assessores humanos por algoritmos – há a possibilidade de que esse serviço se torne acessível ao público em geral, convertendo-se em opção viável para uma nova gama de investidores. Não é coincidência que a presença desses robôs tenha crescido exponencialmente nos últimos anos. Em meados de 2017, os robo-advisors já administravam aproximadamente 200 bilhões de dólares ao redor do mundo e uma estimativa agressiva aponta que esse montante deve chegar a 2,2 trilhões até 2020[3].
As principais vantagens competitivas dos robo-advisors são a sua capacidade de executar tarefas repetitivas, de alta complexidade e de fazer previsões, de modo mais consistente e em menor tempo que os assessores huamanos. Assim, essas ferramentas de investimento podem reduzir ou eliminar comportamentos enviesados e erros de julgamento tipicamente humanos, bem como garantir tratamento isonômico a investidores com características similares. Sem a intervenção humana, os investidores também podem ganhar maior liberdade na tomada de decisão, diminuindo as chances o fazerem por pressão emocional ou afinidade pessoal.
Além disso, há uma substancial redução de custos operacionais para os agentes que ofertam esse tipo de serviço. Isso porque, nesse novo modelo de negócio, o custo marginal para cada nova transação é relativamente menor, o que faz com que tais agentes se beneficiem da economia de escala, embora, possivelmente, a viabilidade do empreendimento esteja atrelada a um investimento inicial relativamente expressivo.
Os robôs de ordens, por sua vez, são ferramentas utilizadas para automatizar estratégias de investimentos montadas para tentar identificar oportunidades de ganho com a flutuação de preço de ativos. Sua atividade está mais relacionada à figura do trader. Assim, como ele opera em mercados de renda variável, é recomendado para clientes com perfil menos conservador e com mais conhecimento sobre o funcionamento do mercado de ações e derivativos. Na prática, o robô de ordem é capaz de, processando em alta velocidade os preços e negócios realizados no mercado, decidir o melhor momento para entrar ou sair de uma posição, sem a necessidade de intervenção humana.
Entre essas duas espécies há uma mesma regra que as norteiam: maximizar o retorno para os investidores. Entretanto, essa regra não justifica o uso de algoritmos de investimento sem ressalvas. Isso porque os robôs de investimento apresentam diversos desafios regulatórios relacionados à proteção dos investidores, especialmente no que tange ao cumprimento dos chamados deveres fiduciários e à proteção de dados pessoais e segurança da informação.
Assim, na medida em que os robôs de investimento prestam serviços regulados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, sua utilização deve ater-se a este corpo normativo. No tocante à prestação de serviços de consultoria e administração de valores mobiliários, por exemplo, os robo-advisors devem ser operados em estrita conformidade com as Instruções CVM nº 592, 558 e 539.
Não se pode esquecer que a relação investidor-assessor é baseada na confiança – fé. Esse tipo de relacionamento envolve uma carga moral típica das relações interpessoais, o que se reflete até mesmo no vocabulário empregado quando se trata dos deveres fiduciários: lealdade, boa-fé, diligência etc. Além disso, essa relação supõe, em certo sentido, um comportamento altruísta por parte do fiduciário, que põe os interesses do investidor acima dos seus. É nesse contexto que surgem os padrões de conduta e demais regras relativas aos deveres fiduciários. Por conseguinte, questiona-se a capacidade dos robo-advisors de se adequarem a este modelo tipicamente humano.
Uma primeira crítica que logo se faz ao cumprimento dos deveres fiduciários pelos robo-advisors é relacionada ao cumprimento do dever de suitability. Acredita-se que a utilização de questionários genéricos e ambíguos para obtenção de informações acerca dos investidores e construção de perfil de risco pode levar a recomendações que não consideram adequadamente a experiência, o horizonte de tempo, as necessidades de capital e os objetivos financeiros dos investidores. Além disso, faltaria aos robo-advisors a percepção humana, que torna possível notar as sutilezas dos clientes. Os assessores de carne e osso podem fazer uma leitura do cliente, notando suas hesitações e expressões faciais, do que pode resultar na construção de um perfil mais holístico do investidor.
Outra crítica endereçada aos robo-advisors seria a sua capacidade de atender ao dever de lealdade. Apesar da narrativa de que a abordagem algorítmica torna os robo-advisors mais imparciais do que os humanos, a verdade é que os robo-advisors não estão imunes a conflitos de interesse. Afinal, os algoritmos de assessoria de investimentos podem ser programados para priorizar os interesses de quem os opera. Isso pode existir até mesmo sem intenção explícita dos programadores, já que eles podem ser inconscientemente levados a favorecer o administrador ou consultor em detrimento dos investidores.
Outro aspecto que merece atenção é o cumprimento do dever de informar por parte dos robo-advisors. Especificamente, questiona-se o conteúdo e a forma de apresentar informações aos investidores acerca dos serviços oferecidos. Isto é, esses agentes devem ser capazes de fazer com que os investidores compreendam as práticas adotadas pelos robo-advisors, os conflitos de interesse envolvidos, tudo apresentado de uma maneira que os investidores sejam encorajados a ler (se por escrito) e entender o que lhes foi transmitido.
No mesmo sentido, os robôs de ordem apresentam riscos ao mercado, especialmente quando se trata de High Frequency Trading –técnica de negociação algorítmica em que estratégias de negociação são automatizadas, com o processamento de dados e envio de ordens sem a intervenção humana. Essa tecnologia pode ser considerada, em certa perspectiva, como uma nova forma de insider trading, uma vez que a negociação realizada pelos robôs se apoia em serviços de co-location e conexões de alta velocidade, criando um tratamento diferenciado em relação aos demais investidores[4].
Ao lado desses desafios relacionados aos deveres e regras de conduta dos prestadores de serviços no mercado de valores mobiliários, existem preocupações atinentes à proteção de dados pessoais e segurança da informação dos investidores. Com a aproximação da entrada em vigor da nossa Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n 13.709/2018), essa questão tende a ganhar ainda maior relevância.
Nessa linha, na medida em que a utilização dos robôs de investimento pressupõe o tratamento de dados pessoais dos investidores, os ditames relativos à proteção desses dados devem ser observados. Assim, o tratamento de dados pessoais deve ser fundamentado numa base legítima, como o consentimento do titular, a execução de um contrato ou o legítimo interesse do controlador ou operador. Ainda, devem ser observados os direitos dos titulares de dados pessoais, como o de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais, a portabilidade dos dados e imediata correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados.
Evidentemente, medidas de segurança devem ser adotadas para proteção desses dados, levando em consideração, em relação ao tratamento e aos dados, a sua natureza, escopo, finalidade e a probabilidade e a gravidade dos riscos e dos benefícios decorrentes desse tratamento. Dentre tais medidas estão a implementação de programa de governança, nomeação de um encarregado de proteção de dados e a própria anonimização de dados pessoais. Sobretudo, a cultura organizacional deve ser revista. Os agentes que prestam serviços de assessoria de investimento devem zelar pelas informações dos investidores, não utilizando ou compartilhando esses dados em desacordo com princípios gerais da Lei Geral de Proteção de Dados e com as melhores práticas da área.
De tudo isso resulta que o cérebro positrônico dos robôs de investimento não pode ser norteado por uma lei única de maximização de resultados. Deve-se também garantir a proteção dos investimentos, atendendo aos deveres dos agentes do mercado estipulados pela CVM e, paralelamente, zelar adequadamente pela proteção dos dados pessoais dos investidores. Com a licença de Isaac Asimov, eis que se chega às 3 leis dos robôs de investimento:
1ª lei: maximizar o retorno, a não ser que tal maximização entre em conflito com a Segunda e Terceira leis;
2ª lei: cumprir os deveres fiduciários; e
3ª lei: proteger os dados pessoais dos investidores.
[1] Algoritmo é um “procedimento sistemático que produz – num número finito de etapas – a resposta a uma pergunta ou a solução de um problema.” (The Editors of Encyclopaedia Britannica. Algorithm. Disponível em: https://www.britannica.com/science/algorithm. Acesso em: 12/07/2019. Tradução livre). Para uma definição técnica de algoritmo, vide HILL, Robin K. What an Algorithm Is. Philosophy & Technology. Netherlands: Springer, março 2016, vol. 29, n. 1, pp. 35-39. ISSN 2210-5441.
[2] No original: “Robo-advisers, which are typically registered investment advisers, use innovative technologies to provide discretionary asset management services to their clients through online algorithmic based programs.” (SECURITES AND EXCHANGE COMMISSION. Robo-Advisers. IM Guidance Uptade, fev. 2017, nº 2017-02. Disponível em: https://www.sec.gov/investment/im-guidance-2017-02.pdf. Acesso em: 12/07/2019).
[3] EPPERSON, Teresa et al. A.T. Kearney, Hype vs. Reality: The Coming Wave of “Robo” Adoption. Disponível em: http://perma.cc/DU5Q-2EV2. Acesso em: 12/07/2019.
[4] Sobre o tema cf. COSTA, Isac Silveira da. High Frequency Trading (HFT) em Câmera Lenta: compreender para regular. 2018. 333 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2018.