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CONVENÇÕES NO ÂMBITO DO CONTINENTE EUROPEU SOBRE COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Flavia Savio Cristofaro
In: O Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Prof. Jacob Dolinger. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 451-490.
Introdução
No continente europeu são três as principais convenções sobre competência internacional: a Convenção de Bruxelas Relativa à Jurisdição e à Execução de Sentenças em Matéria Civil e Comercial (1968), a Convenção de Lugano Relativa à Jurisdição e à Execução de Sentenças em Matéria Civil e Comercial (1988) e o Regulamento n° 44/2001, denominado Regulamento Bruxelas I, eis que destinado a substituir a Convenção de Bruxelas.[1]
O Regulamento n° 44/2001, que entrou em vigor em 1° de março de 2002, manteve boa parte das disposições da Convenção de Bruxelas, mas também trouxe importantes modificações e inovações. Todavia, como o referido Regulamento somente se aplica às ações propostas após sua entrada em vigor, o estudo da Convenção de Bruxelas – além de sua inegável importância doutrinária e de criação jurisprudencial – também se justifica porque tal Convenção permanecerá aplicável para todos os processos em curso iniciados antes de 1° de março de 2002. Ademais, o Regulamento n° 44/2001 não é aplicável à Dinamarca e a determinados territórios não europeus dos Estados Membros da União Européia.
O objetivo deste artigo é traçar um breve panorama das regras sobre competência internacional nas citadas Convenções, fazendo-se um estudo comparativo entre elas e as normas sobre competência internacional vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.[2]
Uma primeira questão a ser esclarecida é a razão de se ter duas Convenções sobre os mesmos aspectos, sendo a de Lugano praticamente uma cópia da de Bruxelas (sendo que o Regulamento, como já se disse, foi elaborado com vistas a substituir a Convenção de Bruxelas).
Devido ao intenso fluxo comercial entre os Estados da Comunidade Européia e os Estados da Associação Européia de Livre Comércio (AELC), a Suécia, desde 1973, desejava que os países da AELC se associassem à Convenção de Bruxelas. Contudo, como a pura e simples extensão da Convenção de Bruxelas não era possível, porque os países da AELC não podiam acatar a autoridade da Corte de Luxemburgo e porque não se podiam embasar no artigo 220 do Tratado de Roma – por abranger tão-somente os países da então Comunidade Econômica Européia –, optou-se pela assinatura de uma nova Convenção, entre os membros da CEE e os da AELC, com identidade de fundo e até mesmo de numeração de artigos.[3]
Para se saber qual das duas Convenções é a aplicável, quando se trata de Estado contratante de ambas os diplomas, recorre-se ao artigo 54, “b”, da Convenção de Lugano. Por certo os juízes dos países membros da AELC não terão esse problema, já que não são parte na Convenção de Bruxelas.
Em matéria de competência, a regra geral é que a Convenção de Bruxelas se aplica se o réu for domiciliado em um dos Estados da União Européia. Já a Convenção de Lugano tem aplicação se o réu for domiciliado em um dos Estados-membros da AELC, ou, ainda, quando ocorrer qualquer das hipóteses previstas nos artigos 16 e 17 da citada Convenção (hipóteses de competência exclusiva), ou em matéria de litispendência, quando uma das ações tiver sido ajuizada em país da AELC e, em matéria de execução, quando o Estado requerente ou o requerido não forem membros da União Européia.
- Convenção de Bruxelas Relativa à Jurisdição e à Execução de Sentenças em Matéria Civil e Comercial e Regulamento n° 44/2001
A Convenção de Bruxelas tem origem no artigo 220 do Tratado de Roma, que estabeleceu o compromisso dos Estados-Membros da Comunidade Econômica Européia de empreender negociações visando à simplificação das formalidades referentes ao reconhecimento e execução de decisões judiciais e sentenças arbitrais estrangeiras.
Nesse contexto, em 1968 os seis Estados fundadores da CEE – França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – firmaram a Convenção de Bruxelas, que entrou em vigor em 1º de fevereiro de 1973. Posteriormente, o texto original sofreu modificações introduzidas por quatro Convenções de adesão, em decorrência da entrada de novos Estados-membros na CEE: Convenção de 9 de outubro de 1978, relativa à adesão da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido; Convenção de 25 de outubro de 1982, relativa à adesão da Grécia; Convenção de 26 de maio de 1989, relativa à adesão de Portugal e Espanha; e Convenção de 29 de novembro de 1996, relativa à adesão de Áustria, Finlândia e Suécia.
Entre o que havia sido inicialmente previsto pelo art. 220 do Tratado de Roma e a Convenção de fato firmada em 1968 alguns pontos foram modificados.[4] O principal deles é que a Convenção de Bruxelas, além de regular e uniformizar as formalidades atinentes ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, também passou a contar com regras determinadoras da competência internacional. Por essa razão, a Convenção de Bruxelas é considerada uma convenção multilateral dupla.
Além disso, o reconhecimento de laudos arbitrais estrangeiros foi excluído do âmbito da Convenção.
Por fim, estabeleceu-se que as disposições da Convenção são dirigidas às pessoas, naturais ou jurídicas, domiciliadas em um dos Estados-membros da União Européia, independentemente de sua nacionalidade, seguindo o critério actor sequitur forum rei.
Dessa forma, para fins didáticos, pode-se destacar como objetivos básicos da Convenção os seguintes:
- o abandono do critério da nacionalidade dos litigantes como elemento determinante da competência jurisdicional e a adoção do critério do domicílio do réu;
- a implementação de um sistema eficaz de reconhecimento dos efeitos da litispendência; e
- a redução dos requisitos para o reconhecimento e execução de decisões provenientes dos Estados-membros, pela presunção de sua regularidade.[5]
É importante notar que com a Convenção de Bruxelas não se unificam todas as normas sobre competência dos Estados comunitários, mas apenas aquelas que regulam a competência internacional.
Apesar de a Convenção de Bruxelas ter se originado do Tratado de Roma, não fazia parte do direito comunitário. Tanto era assim que quando ocorria a adesão de um novo Estado à União Européia a Convenção de Bruxelas não era automaticamente aplicável, como ocorre com o direito comunitário, sendo necessária uma adesão formal à citada Convenção. Por outro lado, a Convenção de Bruxelas se refere sempre aos “Estados contratantes” – aqueles que são parte na Convenção –, e não aos “Estados-membros” (da União Européia).[6]
Ademais, fez-se necessário um Protocolo especial para se atribuir competência à Corte de Justiça das Comunidades Européias para conhecer da interpretação da Convenção, o Protocolo de Luxemburgo de 1971.[7]
Entretanto, já era estreita a ligação entre a Convenção de Bruxelas e o direito comunitário, fazendo com que as disposições da Convenção prevalecessem em relação ao direito interno dos Estados contratantes.
Com a entrada em vigor do Tratado de Amsterdã em 1° de maio de 1999, o Conselho da União Européia decidiu transformar a Convenção de Bruxelas em um Regulamento, este sim aplicável automaticamente a todos os Estados Membros da Comunidade Européia (com exceção da Dinamarca), sendo, portanto, um típico instrumento de direito comunitário. Esta é, portanto, a origem do Regulamento n° 44/2001.
1.1 Campo de aplicação
Como estatuído tanto na Convenção de Bruxelas, quanto no Regulamento n° 44/2001, em seus respectivos artigos primeiros, os referidos instrumentos são aplicáveis em matéria civil e comercial independentemente da natureza da corte ou tribunal. Isso significa que as matérias de direito público não estão abrangidas pela Convenção e pelo Regulamento. Todavia, como por vezes é árdua a distinção entre matéria de direito público e privado e considerando que essa distinção não é tão absoluta nos países da common law, foi introduzido no texto da Convenção, em 1978, uma referência excluindo expressamente as matérias fiscal, aduaneira e administrativa. Também são expressamente excluídas do âmbito de aplicação da Convenção, e do Regulamento, as questões envolvendo:
- o estado e a capacidade das pessoas naturais, o regime matrimonial, testamentos e sucessões;
- falências, concordatas e procedimentos análogos;
- a seguridade social; e
- arbitragem.
A Corte de Justiça especificou em um acórdão clássico – o caso Eurocontrol[8] – o que se entende por “matéria civil e comercial” para fins de aplicabilidade da Convenção. O Tribunal alemão requereu a manifestação da Corte de Justiça sobre qual a lei aplicável para se definir a expressão “matéria civil e comercial” para os fins da Convenção, se a lei do Estado onde a decisão foi proferida ou a lei onde a decisão há de ser executada.
A questão envolvia uma decisão do Tribunal belga, a ser executada na Alemanha, condenando a LTU – uma empresa de aviação alemã – a pagar determinada quantia referente a encargos cobrados pela Eurocontrol – organização européia para a segurança da navegação aérea – pelo uso de equipamentos e prestação de serviços. A Corte de Justiça decidiu, em primeiro plano, que a interpretação dos termos da Convenção deve ser feita autonomamente, apenas com base nos objetivos da própria Convenção, e não de acordo com a lei dos Estados envolvidos.[9] Em segundo lugar, decidiu que quando a disputa envolve ente de direito público no exercício de suas funções a Convenção não se aplica, fugindo a lide dos limites da “matéria civil e comercial”.
No referido julgado foi afastada a aplicação da Convenção porque se tratava de contrato envolvendo, em um dos pólos, pessoa jurídica de direito público exercendo prerrogativas decorrentes do poder público. Assim, se uma das partes envolvidas no litígio for pessoa jurídica de direito público, cabe verificar se está investida do seu poder de polícia. Por outro lado, se ambos os litigantes forem pessoas jurídicas de direito privado, a regra geral é que a Convenção de Bruxelas incide.
Considerando que em relação à matéria aplicável não há qualquer distinção entre a Convenção e o Regulamento, Hélène Gaudemet-Tallon ressalta que a jurisprudência da Corte de Justiça permanece plenamente válida.[10]
1.2 Visão sistemática das regras de competência na Convenção de Bruxelas e no Regulamento n° 44/2001
Antes de analisar separadamente cada hipótese de competência prevista na Convenção de Bruxelas e no Regulamento n° 44/2001, Hèléne Gaudemet-Tallon apresenta o que os franceses denominam de “plan de l‘etude”,[11] que vem a ser um organograma sobre as diversas regras de competência previstas nos referidos instrumentos.
Nesse sentido, um determinado litígio está suficientemente integrado na União Européia para justificar a competência do tribunal de um dos Estados comunitários em três hipóteses: quando o réu é domiciliado em um Estado contratante (regra geral de competência concorrente; artigo 2 – C e R); quando o objeto do litígio é intimamente ligado a um determinado Estado contratante que a competência deste se impõe (hipóteses de competência exclusiva; artigo 16 (C) e artigo 22 (R)); quando a vontade das partes atribui competência aos tribunais de um Estado contratante (cláusula de eleição de foro é alçada à categoria de hipótese de competência exclusiva; artigos 17 e 18 (C); 23 e 24 (R)).
Adicionalmente a essas regras, existem outras denominadas de competência especial, que surgem como alternativas ao foro do domicílio do réu (artigo 5 – C e R). A Convenção e o Regulamento contêm, ainda, regras de competência derivada (artigos 6 (C e R); 6 bis (C) e 7 (R) e regras de competência protetiva da parte mais frágil na relação jurídica (artigos 7 a 15 (C) e 8 a 21 (R)). Por fim, existe uma disposição referente às medidas provisórias e conservatórias (artigo 24 (C) e artigo 31 (R), além de regras de natureza processual concernentes à competência (artigos 19 a 23 (C) e 27 a 30 (R)).
1.3 Regra geral: domicílio do réu
Tanto na Convenção de Bruxelas quanto no Regulamento n° 44/2001 a regra geral de competência é a do foro do domicílio do réu, independentemente de sua nacionalidade, consagrando a clássica regra de processo civil actor sequitur forum rei, a qual, segundo Georges Droz
“est consacrée dans toutes les Conventions internationales, bilatérales ou multilatérales ayant trait à l’exécution des jugements. Elle exprime la faveur de droit envers celui qui se defend. Généralisée em droit interne, elle se justifie encore plus dans les rapports internationaux puisqu’il est plus difficile de se défendre à l’ étranger que chez soi.”[12]
Em relação às pessoas físicas, a Convenção e o Regulamento não contêm a definição de domicílio, cabendo à lei nacional dos Estados contratantes a definição de domicílio do réu, conforme estabelecem, respectivamente, os artigos 52 (C) e 59 (R). Assim, é na lei interna do foro que se deve buscar a noção de domicílio.
Se o réu não tiver domicílio no foro em que foi ajuizada a ação, o juiz, a fim de determinar se ele tem domicílio em outro Estado contratante, deve recorrer à lei interna de tal Estado.
Como a noção de domicílio varia de um Estado para outro, podem ocorrer conflitos positivos ou negativos de competência.
Ademais, a regra que determina a pesquisa da definição de domicílio na lei interna de Estado diverso daquele onde tramita o processo pode gerar mais dificuldades para o juiz a quem a causa for submetida, obrigando-o a recorrer a uma lei que não conhece.
Essa é uma hipótese em que o direito uniformizado poderia colaborar com o direito internacional privado, de modo a facilitar a definição da competência internacional no âmbito da União Européia.[13]
Para evitar os conflitos negativos de competência e, conseqüentemente, a denegação de justiça, o juiz do foro deve recorrer a critérios subsidiários para estabelecer a competência, como o da residência do réu.[14] Outra possibilidade é o denominado “reenvio de domicílio.” Se o direito internacional privado do foro indica que o réu é domiciliado em outro Estado contratante que, por sua vez, considera que o domicílio do réu é no Estado do foro, este deve se considerar competente, admitindo o reenvio.[15]
Em relação ao domicílio das pessoas jurídicas o Regulamento inova em relação à Convenção, pois contém uma regra de direito material definindo o que se entende por domicílio. Já a Convenção estabelece apenas que a sede das pessoas jurídicas equipara-se ao domicílio das pessoas naturais para os fins da Convenção, devendo o juiz do foro aplicar as regras de seu direito internacional privado para determinar o local da sede da pessoa jurídica.
Verifica-se, portanto, que a Convenção estabelece regras distintas para se definir o domicílio das pessoas naturais e a sede das pessoas jurídicas. No primeiro caso, o juiz deve buscar a definição de domicílio em sua própria lei material. No segundo caso, recorrendo às regras de direito internacional privado do foro, o juiz vai encontrar a indicação de qual direito material será aplicável na definição da sede da pessoa jurídica.
O Regulamento, por seu turno, define que o domicílio das pessoas jurídicas será no lugar de sua sede social, de sua administração central ou onde se localiza seu estabelecimento principal, podendo o autor demandar o réu pessoa jurídica em um desses foros, à sua escolha. Essa regra de direito material introduzida pelo Regulamento evita que se recorra às regras de direito internacional privado do foro para se definir em qual lei se deve buscar a noção de domicilio da pessoa jurídica. Trata-se de inovação de grande utilidade prática e que pode evitar dúvidas quanto ao foro competente.[16]
Os arts. 3º da Convenção e do Regulamento proíbem o autor da ação de invocar regras de competência exorbitante contidas nas respectivas leis internas dos Estados contratantes para afastar a competência do foro do domicílio do réu. Vale notar que o rol contido no referido art. 3º da Convenção – rol este que no Regulamento é apresentado no Anexo I – é meramente exemplificativo. Ele veda, por exemplo, a incidência das regras sobre competência calcadas da nacionalidade dos litigantes contidas nos artigos 14 e 15 do Código Civil francês.
O fundamento da proibição das regras de competência exorbitante contidas nas leis internas dos Estados contratantes é facilitar o procedimento de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras no âmbito da Convenção. Isso porque não haverá dúvidas sobre a competência do juiz que proferiu a decisão, se tal competência seguir os estritos limites estabelecidos na Convenção.
Se o réu não for domiciliado no território de um Estado contratante, o art. 4º estabelece que a competência internacional será determinada de acordo com a lei interna de cada Estado contratante, afastando-se, assim, a incidência da Convenção de Bruxelas e do Regulamento n° 44/2001. Todavia, tratando-se de uma das hipóteses de competência exclusiva, a Convenção e o Regulamento voltam a incidir.
Nesse particular o Regulamento também aperfeiçoou o texto da Convenção, que fazia remissão à prevalência sobre a regra do art. 4° apenas nas hipóteses de competência exclusiva previstas em seu art. 16 (art. 22 R). O Regulamento acrescenta, ainda, de forma expressa, a prevalência da cláusula de eleição de foro mesmo que o réu não seja domiciliado em um Estado Membro (art. 23 R).
Segundo Georges Droz, que participou da elaboração do texto original da Convenção, a norma do art. 17, que prevê a cláusula de eleição de foro como hipótese de competência exclusiva e que será detidamente analisado abaixo, deveria realmente prevalecer ao art. 4°, a fim de evitar que o réu não domiciliado em um Estado contratante tentasse afastar a competência do foro eleito pelas partes usando o artifício de invocar sua própria lei que possuísse alguma restrição à cláusula de eleição de foro.[17]
Paralelamente à regra geral que fixa a competência do foro do domicílio do réu, a Convenção de Bruxelas e o Regulamento n° 44/2001 possuem normas que autorizam e outras que obrigam o autor a propor a ação em foro diverso do domicílio do réu. No primeiro caso, está-se diante de regras de competência concorrente (referidas no texto da Convenção e do Regulamento como competências especiais) e no segundo caso trata-se de regras de competência exclusiva.
1.4 Competências Especiais (artigo 5)
Os artigos 5º da Convenção e do Regulamento prevêem sete hipóteses em que o autor tem a opção de propor a ação em foro diverso daquele onde o réu tem domicílio (sempre em um Estado contratante/Estado Membro).
O fundamento de tal norma é possibilitar ao autor da ação propor a demanda em um foro que tenha estreita ligação com o litígio. É o que Hélène Gaudemet-Tallon denomina de “proximidade”, proximidade esta que pode ser territorial ou processual.[18]
F. A. Mann observa que a doutrina da competência internacional evoluiu no sentido de se admitir o aspecto da proximidade entre o litígio e o foro como um substituto, ou ao menos um elemento subsidiário, ao princípio da soberania como determinante da repartição de competência no plano internacional.[19]
A Corte de Justiça já decidiu em diversas oportunidades que o artigo 5º da Convenção deve ser interpretado restritivamente, entendimento este que certamente se estende ao artigo 5° do Regulamento. Vale dizer, a regra geral que fixa a competência no foro do domicílio do réu somente deve ser afastada em casos excepcionais, a fim de preservar a segurança jurídica que é a base da Convenção de Bruxelas, assim como do Regulamento n° 44/2001.[20] Pode-se citar como exemplos de decisões da Corte de Justiça nesse sentido os casos Somafer SA v. Saar-Ferngas AG e Six Constructions Ltd. v. Paul Humbert, tendo sido decidido que uma interpretação restrita das exceções ao art. 2º está de acordo com os objetivos básicos da Convenção.[21]
a) Art. 5 (1)
O art. 5 (1) (C) e (R) estabelece a competência, em matéria contratual, do tribunal do lugar onde a obrigação em disputa deve, ou deveria, ser executada.
Ainda que a base de tal norma seja idêntica na Convenção de Bruxelas e no Regulamento n° 44/2001, algumas inovações foram introduzidas pelo Regulamento.
O art. 5 (1) (C) inclui remissão expressa ao contrato de trabalho, prevendo que em matéria de contrato individual considera-se como local de cumprimento da obrigação aquele onde o trabalhador exerce habitualmente seu ofício. Se o trabalhador não exerce seu trabalho habitualmente em um mesmo país, ele pode demandar o empregador perante o tribunal do lugar onde se encontra, ou onde se encontrava, o estabelecimento que o contratou.[22]
Já no Regulamento a competência relacionada a contratos de trabalho foi aperfeiçoada e é tratada nos artigos 18 a 21 (vide item 1.5 abaixo).
No próprio art. 5 (1), alínea “b”, o Regulamento inovou especificamente quanto a dois tipos de contrato, definindo expressamente o que se entende por “local de execução da obrigação.” Com efeito, em relação aos contratos de venda de mercadorias e prestação de serviços previu-se como local de cumprimento da obrigação, respectivamente, (i) aquele onde os serviços foram, ou deveriam ter sido, prestados; e (ii) aquele onde a mercadoria foi, ou deveria ter sido, entregue.
Em relação ao art. 5, há três aspectos que suscitam discussão: a definição do que vem a ser considerado “matéria contratual”, a noção de “obrigação que serve de base à demanda” e o lugar de execução da obrigação em causa. Tais questões certamente continuarão a ser debatidas mesmo sob a égide do Regulamento n° 44/200, sendo aplicável, assim, a jurisprudência já consagrada da Corte de Justiça.
Como pode haver interpretações divergentes do que vem a ser matéria contratual de acordo com o direito interno dos Estados contratantes, a Corte de Justiça estabeleceu que se deve fazer uma interpretação autônoma do termo “matéria contratual”, com referência apenas aos objetivos da Convenção (e do Regulamento), a fim de garantir sua plena eficácia. Como exemplo pode-se citar o caso Martin Peters v. ZNAV.[23]
No referido caso, apesar de a Corte de Justiça não ter dado a definição precisa do que se entende por matéria contratual, estabeleceu que a razão de ser da competência do foro onde a obrigação contratual deve, ou deveria, ser cumprida é garantir que a demanda será julgada no foro onde está mais intimamente ligada, o que significa a aplicação prática do princípio da proximidade.[24] Assim, decidiu-se que obrigações relativas ao pagamento de determinada quantia que tem origem na relação existente entre uma associação e seus membros é considerada matéria contratual, para os fins do art. 5(1) da Convenção.
A Corte de Justiça já firmou posição no sentido de que demandas envolvendo a existência em si da relação contratual também se inserem no campo de incidência do art. 5(1). Como decidido no caso Effer v. Kantner, se assim não fosse bastaria ao réu, para afastar a regra de competência prevista em tal dispositivo, alegar que não existiria o contrato, contrariando os fins da Convenção ao estabelecer a competência especial em matéria contratual.[25]
Quanto à noção do que vem a ser “obrigação que serve de base à demanda”, a dúvida surge quando há diversas obrigações a serem cumpridas em lugares distintos e todas elas estão envolvidas no litígio.
O que se verifica, nessa hipótese, é uma pluralidade de juízes competentes, podendo acarretar uma indesejável fragmentação do litígio.
No caso de Bloos v. Bouyer, quando vigorava a redação original do art. 5 (1), que se limitava a fixar a competência do tribunal do “lugar onde a obrigação foi ou deveria ser executada”, a Corte de Justiça deixou claro que a obrigação que serve como elemento de conexão em matéria de competência é aquela que serve de base à demanda, dando origem à alteração na redação do dispositivo.[26]
Todavia, a solução apresentada pela Corte de Justiça no caso de Bloos v. Bouyer acabou por acarretar a fragmentação dos litígios em que são várias as obrigações em discussão, cada uma devendo ser executada em um local diferente. Ainda que exista a vantagem de o juiz competente por cada obrigação ser aquele que realmente é o mais “próximo” da obrigação, é inegável, de outro lado, haver inconvenientes no fato de um litígio ser repartido entre diversos foros, podendo acarretar dificuldades para o autor receber a tutela jurisdicional pretendida e podendo dar origem a decisões contraditórias.
Uma solução para esse problema é distinguir a obrigação principal e as acessórias e ajuizar a ação no foro onde deveria ser cumprida a obrigação dita principal. Tal solução foi apresentada pela Corte de Justiça no caso Shenavaï v. Kreischer.[27]
No entendimento de Hélène Gaudemet-Tallon, o Regulamento não solucionou tal questão mesmo em relação aos contratos de prestação de serviços e venda de mercadorias, na medida em que manteve a referência genérica à “obrigação que serve de base à demanda.” Com isso, perduraria a dúvida se a obrigação de que se trata é a obrigação de pagamento – a que envolve a questão pecuniária da relação contratual – ou a obrigação característica de cada um de tais tipos contratuais.[28]
Ainda em relação ao art. 5(1) faz-se necessário precisar o lugar de execução da obrigação. Se as partes não tiverem convencionado o local de cumprimento da obrigação, a solução apresentada pela Corte de Justiça no julgamento do caso Tessili v. Dunlop é que tal lugar seja determinado em conformidade com a lei que rege a obrigação litigiosa, de acordo com a regra de direito internacional privado do foro.[29] O inconveniente da solução proposta pela Corte de Justiça no caso Tessili v. Dunlop é que o juiz fica obrigado a examinar a lei aplicável à obrigação litigiosa antes mesmo de confirmar sua própria competência.
Nesse sentido, a definição do local de execução da obrigação nos contratos de venda de mercadorias e de prestação de serviços introduzida pelo Regulamento acaba, em princípio, com os problemas oriundos do citado caso Tessili, desde que tal local seja em um Estado Membro.
Entretanto, a questão não está definitivamente solucionada porque pode ocorrer de a obrigação de entrega da mercadoria ou de prestação do serviço dever ser efetuada em diversos locais. Hélène Gaudemet-Tallon também suscita a hipótese de o local de entrega da mercadoria ou da prestação de serviços ser de difícil identificação. Alguns dos exemplos práticos por ela citados são ilustrativos das dificuldades que podem surgir, fazendo com que a inovação introduzida pelo Regulamento não seja de grande utilidade prática:
- a mercadoria deve ser entregue em uma plataforma petrolífera em alto-mar, logo surge a questão se a ação deve ser proposta no foro (i) da sede da companhia proprietária da plataforma; (ii) da sede da empresa vendedora da mercadoria; ou (iii) da sede da companhia que realizou o compra;
- os serviços são prestados pela internet, envolvendo um escritório de advocacia inglês que responde a uma consulta formulada por um escritório de arquitetura espanhol envolvendo projetos de construção em diversos países da América Latina. Em caso de litígio, alguns foros podem ser, teoricamente, cogitados para a propositura da ação, partindo-se do pressuposto de que os serviços foram prestados em tais localidades: (i) Londres (local do estabelecimento prestador do serviço; (ii) Madri (local do estabelecimento destinatário do serviço; ou ainda (iii) os diversos países da América Latina onde a consulta seria efetivamente posta em prática ns construções previstas.[30]
Tantas são as dificuldades que surgem da interpretação do aludido art. 5 (1), não solucionadas pelo Regulamento, que alguns autores defendem a supressão pura e simples desse dispositivo, eis que existem outras circunstâncias que permitem à parte autora ajuizar a ação em foro diverso do domicílio do réu, como na cláusula de eleição de foro.[31]
b) Art. 5 (2)
O art. 5(2) prevê que, em se tratando de obrigação alimentícia, a ação pode ser proposta no foro do domicílio ou da residência habitual do credor dos alimentos. Como normalmente a ação de alimentos é acessória a uma demanda concernente ao estado das pessoas, o dispositivo em questão também prevê a possibilidade de a ação envolvendo os alimentos ser proposta no mesmo foro em que tramita a ação referente ao estado dos envolvidos, a não ser que a competência deste foro seja calcada exclusivamente na nacionalidade de uma das partes. Cabe ao autor da ação, seja ele o credor ou o devedor dos alimentos, a opção de escolher onde será ajuizada a demanda. Esse dispositivo não tem suscitado discussão no âmbito da Corte de Justiça.
c) Art. 5(3)
A competência em razão do art. 5(3) é determinada, em matéria extracontratual, pelo local em que o fato danoso ocorreu. As versões em francês e em inglês da Convenção referem-se a matéria envolvendo delito ou quase-delito, tendo a versão em português acabado por simplificar e mencionar diretamente o que vem sendo a definição da Corte de Justiça sobre o alcance do art. 5(3).
Assim tal qual ocorre com a matéria contratual, a definição de matéria envolvendo delito ou quase-delito deve ser autônoma e determinada de acordo com os objetivos da Convenção, independentemente da lei interna dos Estados contratantes.
No caso Kalfelis v. Schroder, a Corte de Justiça declarou que a noção de matéria delitual deve compreender toda a demanda que colocar em jogo a responsabilidade do réu e não se relacionar à matéria contratual no sentido da alínea 1 do art. 5.[32]
Dessa definição, verifica-se que o sentido de matéria delitual tem dois elementos principais: é uma categoria residual em relação à matéria contratual[33] e deve, necessariamente, envolver a responsabilidade civil do réu.
Se a questão envolver matéria delitual e, concomitantemente, matéria contratual, o tribunal do local onde o delito ocorreu não tem competência para conhecer da parte da matéria que foge do escopo de incidência do art. 5(3), devendo se pronunciar apenas sobre os aspectos delituais envolvidos.
Ainda que haja desvantagens em se submeter diferentes aspectos de uma mesma disputa a juízes de Estados diversos, deve-se levar em consideração que as regras de competência do art. 5 constituem exceção à regra geral actor sequitur forum rei, sempre persistindo a possibilidade de o autor ajuizar a ação em um único foro: o do domicílio do réu. Por outro lado, os arts. 22 (C) e 28 (R) prevêem a possibilidade de o mesmo juiz julgar conjuntamente ações conexas, como será melhor analisado abaixo.[34]
Hélène Gaudemet-Tallon critica essa fragmentação do litígio, sustentando que a relação delitual deve ser tratada como acessória à relação contratual, prevalecendo a competência delimitada conforme a alínea 1 do art. 5, mesmo que os aspectos contratuais envolvidos sejam acessórios aos delituais. Assim, o juiz competente em razão do art. 5(1) seria competente para apreciar o litígio como um todo.[35]
A determinação do que se entende por “local onde o fato danoso ocorreu” tem suscitado discussão no âmbito da Corte de Justiça, envolvendo as seguintes questões:
- quando há dissociação entre o local do fato gerador do dano e o local onde o dano produz seus efeitos;
- se o autor da ação é vítima de um dano por ricochete; e
- se o lugar de ocorrência do dano é de difícil localização, como ocorre com os delitos cometidos através da imprensa.
Pode ocorrer de o fato danoso vir a produzir efeitos em local diverso daquele onde se originou, suscitando dúvida sobre qual será o foro competente para conhecer da ação de responsabilidade civil.
Um caso clássico nesse sentido é o Bier BV v. Mines de Potasse D’Alsace. O fundamento da ação centrou-se na responsabilização da ré pela poluição das águas do rio Reno, na França. Todavia, como esse rio deságua na Holanda, a atividade poluente iniciada na França acabou por causar danos a uma empresa holandesa de horticultura.
A Corte de Justiça decidiu que o artigo 5(3) deve abranger ambos os lugares, onde o dano efetivamente se verificou e onde ocorreu o fato que deu origem ao dano, cabendo ao autor optar onde ajuizar a ação.[36]
No caso acima relatado, o local onde o dano ocorreu era o mesmo do domicílio da vítima, parte autora na ação. Mas se essa coincidência não ocorrer, a vítima do dano não poderá ajuizar a ação no foro de seu próprio domicílio, a teor do artigo 5(3). Isso porque o fundamento da Convenção de Bruxelas, e do Regulamento n° 44/2001, não é garantir sistematicamente à vítima uma espécie de proteção no campo da competência internacional, mas sim permitir que a ação seja julgada pelo juiz que objetivamente está melhor localizado para examinar a matéria fática envolvida na demanda.
O seguinte exemplo é elucidativo da questão: uma pessoa domiciliada na Bélgica é vítima de acidente de carro na França, onde recebe os primeiros socorros. A vítima, então, retorna à Bélgica, onde é hospitalizada e fica incapacitada para o trabalho durante vários meses. Como não há uma dissociação entre o lugar de ocorrência do fato gerador e o dano imediato, a ação só pode ser proposta na França (nos termos do artigo 5(3)). As conseqüências mediatas do evento danoso, ocorridas na Bélgica, não são levadas em consideração para se determinar a competência internacional com base no artigo 5(3).[37]
Nas hipóteses de dano por ricochete, a vítima não tem a prerrogativa de ajuizar a demanda no foro em que sofreu tal dano indireto, mas sim no foro onde a vítima principal sofreu o dano direto, além, é claro, das hipóteses do foro do fato gerador do dano (principal) e do foro do domicílio do réu, como decidiu a Corte de Justiça no caso Dumez France v. Helaba. Os fundamentos apresentados pela Corte foram a intenção de não privilegiar o forum actoris; não aceitar a derrogação da regra geral de competência do foro do domicílio do réu a não ser em favor de foro realmente mais conectado com a demanda; e evitar uma multiplicidade de foros competentes, para que não haja decisões contraditórias (em relação ao dano direto e ao dano por ricochete).[38]
Já em relação aos delitos cometidos através dos meios de comunicação – rádio, jornal ou televisão – em que o dano pode se verificar em diversos lugares, alcançados por tais meios de comunicação, a Corte de Justiça admite a competência de cada um dos lugares onde a notícia danosa foi difundida, além do local onde a notícia foi originalmente emitida.
Essa foi a decisão proferida no caso Fiona Shevill v. Press Alliance, em que se discutiu a competência em matéria de difamação internacional através de uma matéria publicada no jornal.[39]
Outro problema que advém da interpretação do artigo 5(3), mas que não foi abordado pela jurisprudência da Corte de Justiça, é a existência de vários fatos geradores, cada um em um Estado contratante diferente. De acordo com a solução apresentada pela Corte em matéria de pluralidade de efeitos danosos, chega-se à conclusão de que o tribunal de cada um dos Estados envolvidos teria competência apenas para apreciar as conseqüências do fato gerador ocorrido em seu território.
Contudo, essa solução pode gerar dificuldades em se estabelecer, por exemplo, a responsabilidade pela indenização quando são vários os agentes situados em Estados diversos, gerando fatos danosos de diferentes procedências.
Verifica-se, assim, que tanto em matéria de contrato, quanto nas ações de responsabilidade civil, são diversas as questões que surgem acerca da competência dos tribunais no âmbito da Convenção de Bruxelas, gerando profícua jurisprudência da Corte de Justiça que será aproveitada na interpretação das disposições semelhantes do Regulamento n° 44/2001.
d) Art. 5(4)
Segundo o art. 5(4), se a ação civil é fundada em uma infração penal poderá ser ajuizada perante o tribunal onde tramita a respectiva ação penal, se este tribunal admitir sua competência para conhecer também da ação civil de indenização.
Em última análise, o art. 5(4) remete às regras de competência territorial da lex fori a tarefa de verificar se a ação civil será ajuizada perante determinado juiz ou tribunal, que será, segundo a lex fori, competente para conhecer também da ação penal. Mesmo que o critério de competência previsto na lex fori não seja, em princípio, reconhecido pela Convenção e pelo Regulamento, como por exemplo, a nacionalidade, do autor da infração, ainda assim será admitido para indicar o foro da ação de indenização, a teor do art. 5(4).
e) Art. 5(5)
Se se trata de demanda envolvendo a exploração de uma sucursal, agência ou de outro estabelecimento, é competente o tribunal da respectiva situação, ainda que a sede da empresa seja em Estado contratante diverso.
No acórdão De Bloos v. Bouyer a Corte de Justiça decidiu que um elemento indispensável para que incida o art. 5(5) é um elo de submissão entre a agência, sucursal ou estabelecimento e a matriz.[40] Por outro lado, apesar de sua submissão, o estabelecimento secundário tem que possuir uma certa autonomia para regular os negócios realizados no Estado em que se localiza, deve constituir um prolongamento descentralizado da matriz, conforme esclarecido no acórdão Somafer SA v. Saar-Ferngas AG.[41]
Para que incida o art. 5(5), permitindo que a ação seja ajuizada em foro diverso da sede da empresa ré, é necessário que a demanda envolva litígio referente às atividades do estabelecimento secundário, ainda que realizadas fora do Estado onde se situa dito estabelecimento.
A prerrogativa estabelecida no art. 5(5) é dirigida a terceiros que mantiveram relação comercial com o estabelecimento secundário de uma determinada empresa, permitindo-lhes acionar tal estabelecimento secundário em foro próximo ao litígio. O dispositivo em questão não permite, contudo, que o estabelecimento secundário se prevaleça de tal prerrogativa para, no foro de sua própria sede, demandar o estabelecimento principal por questões internas.[42]
Ainda que diversos outros aspectos sobre o alcance do art. 5(5) sejam debatidos pela Corte de Justiça, os exemplos mencionados são suficientes para se demonstrar a complexidade da questão e a riqueza da jurisprudência, não sendo condizente com o escopo deste trabalho se alongar na análise de todos os aspectos debatidos pela Corte de Justiça.
f) Art. 5(6)
Em matéria de trust,[43] os tribunais do Estado onde este tem seu domicílio são competentes. Como a figura do trust é própria dos países da Common Law, não guardando relação direta com o ordenamento jurídico brasileiro, não iremos nos alongar na análise do citado art. 5(6).
g) Art. 5(7)
Nas demandas relativas a pagamentos relacionados a uma carga ou frete é competente o tribunal do local onde a carga ou frete tiver sido arrestado para garantir o pagamento ou onde a caução ou garantia tiver sido prestada.
1.5 Regras de competência protetiva
As seções 3 e 4 do Título II da Convenção e do Capítulo II do Regulamento contêm as denominadas regras protetivas em relação à parte mais frágil nos contratos de seguro – o segurado – e nas relações de consumo – o consumidor. O Regulamento alargou o espectro de atuação de tais regras protetivas ao dedicar a seção 5 de seu Capítulo II aos contratos individuais de trabalho, no intuito de resguardar, nesse caso, o trabalhador.
Tais regras formam um sistema de competência internacional independente daquele estabelecido na regra geral do art. 2 (competência do foro do domicílio do réu) e em suas exceções previstas no art. 5 (competências especiais). Isso significa que as hipóteses de competência analisadas acima não incidem nos contratos de seguro e nas relações de consumo, salvo a alínea 5 do artigo 5, que é aplicável por disposição expressa.
A estrutura das seções e capítulos sob análise é similar ao sistema geral de competência previsto na Convenção e no Regulamento, aplicando-se as regras de competência protetiva se o réu é domiciliado em um Estado contratante/Estado Membro.
Todavia, se o réu não for domiciliado em um Estado contratante/Estado Membro mas nele possuir agência, sucursal ou qualquer outro estabelecimento será considerado ali domiciliado em relação aos litígios envolvendo as atividades do estabelecimento secundário.
Se a parte mais vulnerável – o segurado ou o consumidor – ocupar o pólo passivo da lide, o segurador ou o fornecedor de produtos e/ou serviços tem de, obrigatoriamente, ajuizar a ação no foro do domicílio do demandado (ou de seu estabelecimento secundário, quando for o caso).
Já se a demanda for de iniciativa do segurado ou do consumidor poderá ser ajuizada no foro do domicílio do demandado ou no foro do domicílio do próprio autor.
Em relação aos contratos de seguro, o segurado tem ainda a alternativa de acionar o segurador no lugar onde o fato danoso ocorreu ou perante o tribunal onde tramitar a ação do terceiro lesado contra o segurado.
As regras de competência em questão, que são destinadas a favorecer a parte mais vulnerável da relação jurídica, somente poderão ser derrogadas posteriormente ao nascimento do litígio ou se permitirem ao consumidor e ao segurado recorrer a tribunais outros que não os indicados na seção e no capítulo sob análise.
Outra opção que têm as partes nos contratos de seguro e envolvendo relações de consumo é eleger o foro de seu próprio domicílio ou residência habitual – quando segurado/segurador e consumidor/fornecedor forem domiciliados ou tiverem residência no mesmo Estado contratante/Estado Membro –, inclusive em relação a fatos ocorridos no estrangeiro, salvo se a lei do Estado cujo foro tiver sido eleito pelas partes vedar tal tipo de convenção.
Em matéria de seguro, a Convenção e o Regulamento prevêem riscos específicos em relação aos quais as partes também podem pactuar cláusula de eleição de foro.
Atendendo a uma pretensão do Reino Unido, foi inserido, em 1978, um artigo na Convenção permitindo que se pactue cláusula de eleição de foro também se o segurado não for domiciliado em um Estado contratante, salvo se se tratar de seguro obrigatório ou relativo a imóvel situado em um Estado contratante.
Verifica-se, assim, a partir do breve panorama apresentado neste item, que o princípio da proximidade consagrado na Convenção e no Regulamento, que visa a garantir o julgamento da causa pelo juiz mais próximo às circunstâncias envolvidas no litígio, é afastado em prol da proteção da parte mais vulnerável nas relações de consumo e nos contratos de seguro, permitindo-lhe optar pelo foro que lhe for mais conveniente, quando for autora da ação, e garantindo-lhe a prerrogativa de ser acionada no foro de seu próprio domicílio, quando for ré.
A admissibilidade da cláusula de eleição de foro é restrita nas hipóteses previstas em tais seções e capítulos e não pode ter sido imposta previamente pelo segurador e pelo fornecedor de produtos ou prestador de serviços, de modo a garantir que o segurado e o consumidor somente renunciarão às regras de competência protetiva a que têm direito mediante livre e expressa manifestação de vontade.
Em relação aos contratos de trabalho, o Regulamento incluiu a Seção 5 em seu Capítulo II, agrupando as normas sobre o tema que já existiam na Convenção (art. 5(1) e art. 17) e incluindo outras. Esse agrupamento fez com que as regras concernentes aos contratos individuais de trabalho também passassem a representar um sistema independente de competência em relação à regra geral da competência do foro do domicílio do réu e das competências especiais previstas no art. 5, como já ocorria com os contratos de seguro e com as relações de consumo.
Na hipótese de a ação ser ajuizada pelo trabalhador, além da possibilidade já prevista no texto do art. 5(1) da Convenção de Bruxelas, com a redação introduzida pela Convenção de San Sebastian, também é facultada ao trabalhador a possibilidade de propor a demanda no foro do último local onde ele realizava habitualmente seu trabalho.
Se o trabalhador estiver no pólo passivo da lide, esta somente pode ser proposta no foro de seu domicílio, a teor do art. 20 § 1 (R).
Quanto aos limites da validade das cláusulas de eleição de foro em contratos de trabalho, apesar de integrarem a Seção em comento, serão analisadas abaixo, no capítulo que trata especificamente do foro de eleição.
1.6 Competência exclusiva
Os artigos 16(C) e 22(R) enumeram cinco hipóteses de competência exclusiva, vale dizer, estando presente no território de um Estado contratante um dos elementos de conexão previstos em tais dispositivos, os juízes desse Estado são exclusivamente competentes para conhecer das ações envolvendo dito elemento de conexão.
O rol das hipóteses de competência exclusiva é taxativo e prevalece mesmo que nenhuma das partes seja domiciliada em um Estado contratante.
A razão de ser da exclusividade de competência é a existência de uma ligação estreita entre o mérito do litígio e um determinado território, sendo esse elo de ligação suficiente para justificar o que Hélène Gaudemet-Tallon denomina de “integração do litígio à Comunidade Européia” e determinar, conseqüentemente, a aplicação da Convenção de Bruxelas.[44]
As regras de competência exclusiva são imperativas e não podem ser derrogadas seja através de cláusula de eleição de foro, seja pela submissão voluntária do réu. A não observância dessas regras afasta o benefício do sistema de reconhecimento e execução previsto na Convenção, devendo o próprio juiz declarar sua incompetência de ofício (art. 19 – C e 25 – R).
Essas duas características – exclusividade e imperatividade – somente prevalecem em relação às lides de natureza principal. Assim, se uma das matérias previstas nos arts. 16(C) e 22(R) for objeto de uma ação acessória à outra principal, submetida à apreciação de foro diverso daquele indicado pelo citado dispositivo, a regra de competência exclusiva não prevalece.[45]
Georges Droz sustenta que se os elementos de conexão previstos no art. 16 da Convenção estiverem situados em um Estado não contratante, cabe à lex fori do Estado contratante a quem for submetida a demanda determinar se prevalece a competência de seus tribunais a teor de outros dispositivos da Convenção – em virtude do domicílio do réu, por exemplo, – ou se deve prevalecer a competência do foro onde está situado o elemento de conexão indicativo da competência exclusiva – como o local de situação do imóvel.[46]
a) Direitos reais sobre imóveis e contratos de locação
A primeira regra de competência exclusiva prevista na Convenção e no Regulamento é a clássica forum rei sitae, mas restrita às ações reais envolvendo imóveis. Se se tratar de ação pessoal ou mesmo de ação mista não prevalece a competência exclusiva do foro da situação do imóvel.
Esse princípio de competência exclusiva justifica-se por três circunstâncias:
- o caráter imperativo das disposições legislativas internas aplicáveis a imóveis (coincidência entre competência legislativa e competência judiciária);
- a proximidade do juiz ao local onde se situa o objeto da ação como uma forma de promover a boa administração da justiça; e
- o princípio da efetividade, eis que o julgamento será obrigatoriamente executado no lugar de situação do imóvel.[47]
A Corte de Justiça determina a interpretação estrita da expressão “direitos reais imobiliários”, além da interpretação autônoma, tal como ocorre com outras definições no âmbito de aplicação da Convenção (e bem assim do Regulamento).
No caso Mario Reichert v. Dresdner Bank,[48] estabeleceu-se que não é qualquer direito real que acarreta a exclusividade de competência do foro do imóvel, mas apenas aqueles envolvendo a extensão, conteúdo, posse ou propriedade do imóvel. Dessa forma, em uma ação pauliana não incide a regra imperativa do art. 16(1)(C) (art. 22-1(R)).
Esse entendimento foi confirmado em dois casos posteriores: Webb v. Webb[49] e Lieber v. Göbel.[50] No primeiro deles, decidiu-se que o art. 16(1) da Convenção não é aplicável a uma ação em que se discute se determinada pessoa detém um imóvel na qualidade de trustee; e no segundo a regra forum rei sitae foi afastada porque se tratava de ação de indenização em decorrência de anulação de uma transferência de propriedade.
Segundo a alínea “a” do art. 16(1)(C) e alínea primeira do art. 22(1)(R), a competência exclusiva do foro onde se localiza o imóvel também é exclusivamente competente para conhecer das demandas envolvendo a locação do imóvel.
Todavia, a alínea “b” do referido dispositivo da Convenção contém uma exceção à regra geral, permitindo que nos contratos de locação por temporada, de no máximo seis meses, seja também competente o juiz do foro do domicílio do réu, se ambos, locador e locatário, forem pessoas físicas e tiverem domicílio no mesmo Estado contratante.
A alínea segunda do art. 22(1) do Regulamento trouxe uma importante inovação, ao prever que mesmo se o locador for pessoa jurídica a ação pode ser proposta no foro do domicílio do réu, se ambos – locador e locatário – tiverem domicílio no mesmo Estado Membro. Permanece a exigência de o locatário ser pessoa física e de a locação ser por temporada de no máximo seis meses, para que incida tal exceção à regra geral do forum rei sitae.
A exceção original do art. 16 da Convenção de Bruxelas foi introduzida pela Convenção de San Sebastian, de 1989, em virtude de hipóteses concretas como o caso Rösler v. Rottwinkel, em que dois alemães, domiciliados na Alemanha, que haviam firmado um contrato de locação de apenas três semanas tendo como objeto uma casa de veraneio na Itália, viram-se obrigados a litigar no foro de situação do imóvel.[51]
Nas hipóteses de um mesmo imóvel situado em dois Estados contratantes diversos, a Corte de Justiça apresentou dois posicionamentos diferentes, sendo um a regra geral e o outro a exceção.
No caso Scherrens v. Maenhout,[52] em que se discutia um contrato de locação de uma propriedade agrícola situada em parte na Holanda e em parte na Bélgica, a Corte de Justiça entendeu que cada um dos citados Estados era competente em relação à parte do imóvel localizado em seus respectivos territórios. Esse entendimento justificava-se porque a propriedade se dividia entre uma construção na Bélgica e terras para plantio localizados a alguns quilômetros de distância, na Holanda.
No referido julgamento, a Corte admitiu que em outras hipóteses a dualidade de competência sobre um mesmo imóvel, que não se divide em duas partes distintas, é difícil de se justificar. Dessa forma, decidiu-se que quando um mesmo imóvel se situa na fronteira entre dois Estados, deve ser considerado como uma unidade, atribuindo-se competência ao Estado onde está localizada a maior porção do imóvel para conhecer das ações decorrentes de contrato de locação. O mesmo raciocínio pode ser estendido para ações envolvendo direitos reais.
b) Validade, nulidade ou dissolução de pessoas jurídicas
Em relação a demandas envolvendo a validade, a nulidade ou a dissolução de sociedades ou de outras pessoas jurídicas (associações, fundações, grupos econômicos) é exclusivamente competente a autoridade judiciária da sede do agente em questão.
Entretanto, como os arts. 16(2)(C) e 22(2)(R) não especificam se o elemento de conexão é a sede real ou a sede estatutária, competirá ao direito internacional privado do foro estabelecer tal distinção. Se houver divergência entre a lei interna de dois Estados, considerando cada qual que determinada pessoa jurídica tem sede em seus respectivos territórios, ambos os tribunais serão exclusivamente competentes para os fins da citada norma, prevalecendo a competência do juiz que primeiro tiver apreciado a causa e devendo o segundo declinar de sua competência em favor daquele.
c) Registros públicos
É da competência exclusiva do foro onde se localizam os registros públicos (de comércio, de sociedades, de pessoas naturais) conhecer das ações envolvendo a validade das inscrições feitas em tais registros. Essa regra não comporta maiores divergências e não é objeto de discussão na jurisprudência.
d) Propriedade intelectual
Os litígios envolvendo a inscrição ou a validade de direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes, desenhos) devem ser submetidos exclusivamente aos juízes do local onde o depósito ou registro foi requerido, foi efetuado ou é reputado como tendo sido efetuado nos termos de convenção internacional – ou instrumento comunitário, nos termos introduzidos pelo Regulamento – sobre o tema.
A norma de competência exclusiva em questão não se aplica aos litígios referentes à propriedade desses direitos ou a contratos em que tais direitos sejam o objeto.
e) Execução das decisões
No que concerne à execução de determinada decisão, é decorrência natural atribuir-se competência exclusiva aos tribunais do foro onde a decisão em tela há de ser executada.
Um juiz de um Estado contratante pode determinar a realização de uma medida executória no território de outro Estado contratante, sem que isso fira o princípio da soberania, mas a efetivação das medidas executórias somente pode ser realizada pelas autoridades judiciárias do foro da execução.
1.7 Prorrogação voluntária de competência
a) Cláusula de eleição de foro
A Convenção de Bruxelas alçou a cláusula de eleição de foro pactuada pelas partes em um contrato internacional à categoria de hipótese de competência exclusiva.
O Regulamento n° 44/2001, entretanto, modificou esse ponto, pois permitiu que através de convenção as partes estipulem que a eleição de foro não seja exclusiva. Segundo Hélène Gaudemet-Tallon, essa modificação seria uma concessão aos juristas da Common Law, que sempre foram reticentes a admitir a cláusula de eleição de foro como uma hipótese de competência exclusiva.[53]
Para que incida tal regra, prevista nos arts. 17(C) e 23(R), é necessário que uma das partes seja domiciliada no território de um Estado contratante/Estado Membro, não importando se autor ou réu. Mesmo que o réu seja domiciliado em terceiro Estado não parte na Convenção ou em Estado que não seja Membro da Comunidade Européia, ainda assim prevalece a exclusividade de competência pactuada pelas partes através da cláusula de eleição de foro, excepcionando, assim, o disposto no art. 4, acima analisado.[54]
Se nenhuma das partes tiver domicílio na União Européia, mas ainda assim tiverem eleito foro de um dos Estados contratantes para dirimir os litígios oriundos de sua relação jurídica, os demais Estados obrigam-se a não julgar a lide enquanto – e se – o tribunal eleito não declinar de sua competência. Nesse caso, portanto, a cláusula de eleição de foro não acarreta a exclusividade de competência do foro eleito, admitindo-se seja a lide julgada por outro Estado contratante/Estado Membro. A validade da cláusula de eleição de foro será apreciada segundo a lei interna do tribunal eleito.
Pode ocorrer também de as partes domiciliadas em Estados contratantes/Estado Membros elegerem foro de Estado não contratante/não Membro. Nessa hipótese, se a eleição de foro derrogar as regras de competência exclusiva previstas na Convenção e no Regulamento ou violar as disposições imperativas em matéria de contratos de seguros, relação de consumo e contratos individuais de trabalho não gerará efeitos. Mas se o acordo entre as partes derrogar apenas regras ordinárias de competência previstas na Convenção e no Regulamento, deve prevalecer o foro eleito, devendo os tribunais dos Estados contratantes/Estado Membros se declararem incompetentes para conhecer de eventual demanda submetida a sua apreciação.[55]
As partes não são obrigadas a atribuir competência especificamente a um determinado tribunal de um Estado contratante/Estado Membro, podendo simplesmente fazer referência genérica aos tribunais de tal ou qual Estado.[56]
No caso Meeth v. Glacetal, a Corte de Justiça admitiu até mesmo cláusula de eleição de foro prevendo a competência de tribunais de mais de um Estado. As partes pactuaram que se a demanda fosse iniciada pela empresa alemã Meeth deveria ser proposta na França; se a autora fosse a francesa Glacetal a competência seria do foro alemão.[57]
Em outro caso, Anterist v. Crédit Lyonnais, a Corte de Justiça deixou claro que, em razão do art. 17(C), as partes podem conferir jurisdição a tribunais que, em princípio, não seriam competentes de acordo com as regras da Convenção e excluir a jurisdição de tribunais que normalmente seriam os competentes para julgar a causa. Por certo, quando se tratar de hipótese de competência exclusiva, não podem as partes derrogar, por convenção, a competência imperativa.[58]
Os arts. 17(C) e 23(R) estabelecem que a cláusula de eleição de foro deve referir-se especificamente aos litígios existentes ou que venham a surgir em decorrência de uma relação jurídica determinada. Isso significa que as partes não podem previamente estabelecer que todas as divergências que possam surgir entre elas, não importa em que contexto e sem uma relação jurídica predeterminada, serão dirimidas em tal ou qual foro. Essa vedação tem por fundamento evitar que a parte economicamente mais forte na relação jurídica imponha à outra, mais vulnerável, um foro geral por ela indicado.
Apreciando o caso Zelger v. Salinitri, a Corte de Justiça consagrou a regra de que não é necessário existir qualquer ligação entre o litígio e o tribunal eleito,[59] o que acaba por permitir que as partes possam escolher um foro neutro para solucionar suas divergências.
No referido julgado, a Corte de Justiça teve a oportunidade de analisar a relação entre o artigo 5(1)(C) e o artigo 17(C). O autor, de nacionalidade alemã, acionou o réu, italiano, a fim de receber o pagamento de um empréstimo feito ao réu. A ação foi ajuizada em Munique, sustentando o autor terem as partes pactuado oralmente que aquele seria o local de pagamento da obrigação. O Tribunal alemão indagou à Corte de Justiça se o acordo informal referente ao local de cumprimento da obrigação – aceito pela lei interna alemã – é suficiente para embasar a jurisdição do foro de Munique de acordo com o art. 5(1)(C), ou se a validade de tal acordo para fins de determinar a justiça competente dependeria da observância das formalidades previstas no art. 17(C).
A decisão da Corte de Justiça foi no sentido de que a competência decorrente do art. 5(1)(C) é justificada pela existência de um elo direto de ligação entre o litígio e o tribunal ao qual este é submetido. Já a aplicação do art. 17(C) independe de qualquer conexão entre a relação em causa e a corte eleita pelas partes para dirimir suas controvérsias.
Assim, considerando que a competência do foro do local onde a obrigação contratual tem de ser cumprida e o foro eleito pelas partes são dois conceitos distintos e independentes, a Corte de Justiça esclareceu que apenas os acordos de eleição de foro estão sujeitos à forma prevista no art. 17(C).
Concluiu a Corte que se a lei aplicável ao contrato admite que as partes especifiquem o local de cumprimento da obrigação sem a observância de qualquer formalidade especial, um acordo nesse sentido é suficiente para justificar a competência do respectivo foro com base no art. 5(1)(C).[60]
Nos termos do art. 17 da Convenção, se a cláusula de eleição de foro tivesse sido estipulada exclusivamente em benefício de uma das partes, poderia esta renunciar à prerrogativa que lhe havia sido conferida e demandar perante o tribunal de outro Estado contratante. Tal disposição foi suprimida do texto do Regulamento n° 44/2001.
A cláusula de eleição de foro inserida no estatuto social de uma companhia obriga todos os acionistas, mesmo os que votaram contra a cláusula e aqueles que ainda não pertenciam aos quadros sociais.[61]
Através da Convenção de San Sebastian, em 1989, foi introduzida uma alínea no art. 17 da Convenção de Bruxelas prevendo que em contratos de trabalho a cláusula de eleição de foro somente geraria efeitos se tivesse sido pactuada após o surgimento do litígio. Essa foi a forma encontrada para se proteger os trabalhadores e evitar que os empregadores impusessem previamente foros que lhes fossem unilateralmente favoráveis. Como visto, no Regulamento n° 44/2001 tal disposição encontra-se na seção que trata especificamente da competência em matéria de contratos individuais de trabalho (art. 21, alínea primeira (R)). O Regulamento previu, ainda, a admissibilidade da cláusula de eleição de foro que permita ao trabalhador propor a ação em foro diverso daqueles previstos especificamente na Seção 5 do Capítulo II analisados acima.
b) Submissão voluntária do réu
Se o réu, após citado, se submeter voluntariamente ao tribunal de foro que não seria competente pelas regras da Convenção e do Regulamento, prorroga-se a competência de tal foro. Dita prorrogação não se verifica se o réu manifestar-se no processo a fim de excepcionar a competência do foro onde tramita a ação. É a consagração do princípio da submissão do réu, amplamente admitido em outras convenções internacionais sobre o tema.
Na hipótese de o demandando, além de excepcionar o foro, também apresentar, em caráter subsidiário, contestação de mérito, para o caso de não ser acolhida a exceção de foro, a Corte de Justiça decidiu que, ainda assim, não se considera válido o princípio da submissão, pois a apresentação de defesa nesse caso não significou a aceitação da competência do foro escolhido pelo autor da demanda. Essa posição foi consagrada no caso Elefantem Schuh v. Jaqmain e confirmada no caso Rohr v. Osseberger, tendo, neste último julgado julgado, restado definitivamente esclarecida a necessidade de a defesa de mérito ser apresentada em caráter subsidiário à exceção de incompetência para que não se considere a submissão voluntária do réu.[62]
Hélène Gaudemet-Tallon menciona que há uma discussão no âmbito da doutrina sobre se o princípio da submissão insculpido no art. 18 é válido mesmo se o réu não for domiciliado em um Estado contratante. Embora reconheça a existência de corrente diversa, a referida autora entende que a submissão voluntária do réu como elemento de conexão somente pode ser admitida se ele tiver domicílio em um Estado contratante, de modo a impedir que o autor proponha a ação em determinado foro apenas para se beneficiar do mecanismo simplificado de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras previsto na Convenção e no Regulamento, sem que o litígio contenha, de fato, alguma ligação com a União Européia.[63]
1.8 Regras de competência derivada (artigo 6 – C e R)
Ainda que a Convenção de Bruxelas não faça da conexão uma regra geral de competência internacional (como será melhor analisado no item subseqüente), permite que em certas circunstâncias específicas um mesmo julgador concentre a competência para apreciar ações distintas que possuem uma ligação estreita, em observância aos princípio da economia processual e da boa administração da justiça. [64]
Nesse sentido, havendo pluralidade de réus, o autor pode escolher no foro do domicílio de qual deles deseja ajuizar a ação. Essa norma é encontrada em várias leis nacionais, inclusive na brasileira.
Entretanto, em relação a essa norma, o Regulamento trouxe uma inovação que, apesar de não prevista expressamente na Convenção, já era aludida na doutrina e na jurisprudência. Para que o autor possa ajuizar uma mesma ação contra diversos réus e eleger o foro de um deles como o competente, devem as demandas contra cada um dos réus serem intimamente ligadas entre si e haver um real interesse em que as causas sejam julgadas conjuntamente para evitar decisões contraditórias proferidas por juizes distintos. Essa nova disposição evita que o autor reuna causas que não tenham uma conexão efetiva apenas para escolher o foro do domicílio de um dos réus que, por alguma razão, lhe seja mais conveniente.
Em hipótese de reconvenção, estende-se a competência do juiz perante o qual foi ajuizada a ação principal.
Tratando-se de “chamamento de garante à ação” (o que no ordenamento brasileiro denominamos denunciação da lide) ou de qualquer outra espécie de intervenção de terceiro, seja voluntária, seja forçada, o denunciado ou outro terceiro que venha a integrar a lide poderá ser demandado em juízo diverso daquele onde é domiciliado.
Havendo duas ações distintas entre as mesmas partes, uma referente à matéria contratual e outra envolvendo direitos reais sobre imóveis, pode-se reunir ambas as demandas sob a competência do juiz do local onde está situado o imóvel.
O fundamento desse dispositivo, introduzido pela Convenção de Lugano, reproduzido pela Convenção de San Sebastian e mantido no Regulamento n° 44/2001, é a freqüência de créditos com garantia hipotecária. Em caso de não pagamento, é conveniente que o credor, obrigado pelos arts. 16(1)(C) e 22(1)(R) a acionar o devedor no foro de situação do imóvel para executar a garantia hipotecária, possa também propor perante o mesmo juiz ação pessoal com o fim de obter a condenação do devedor envolvendo outras obrigações decorrentes do mesmo contrato.
É importante ressaltar que se as partes houverem pactuado cláusula de eleição de foro as regras de competência derivada não incidem, prevalecendo a autonomia da vontade das partes sobre os princípios da concentração de competência e da economia processual.
1.9 Conexão
No âmbito da Convenção e do Regulamento a conexão não é admitida como um critério positivo de atribuição de competência, sendo invocada apenas como um critério excepcional, para evitar decisões contraditórias entre ações intimamente ligadas.
A conexão apenas como um critério subsidiário acarreta em diversas hipóteses uma indesejável fragmentação de um mesmo litígio, como vimos nas hipóteses de competência contratual e extracontratual.
Hélène Gaudemet-Tallon menciona um exemplo interessante das inconveniências surgidas em um julgado da Corte de Cassação francesa em decorrência do papel subsidiário que a conexão tem na Convenção de Bruxelas.[65]
Em virtude de uma colisão ocorrida na Itália entre um veículo conduzido por um francês domiciliado na França e um italiano domiciliado na Itália, um passageiro do automóvel francês (conduzido a título gratuito) acionou o condutor e seu respectivo segurador perante o tribunal francês, em razão do domicílio do réu. Este último, por seu turno, ajuizou perante o mesmo tribunal uma ação contra o condutor do outro veículo e a companhia de seguros italiana, pretendendo ser ressarcido de eventual condenação que lhe fosse imposta em decorrência da ação proposta pelo passageiro e pretendendo ser indenizado por seus próprios prejuízos.
Em razão do primeiro pleito do condutor francês, o tribunal francês era certamente competente, por força do disposto no art. 6(2). Entretanto, a Corte de Apelação de Lyon se declarou incompetente em relação à segunda pretensão, eis que tanto o art. 2 (domicílio do condutor italiano) quanto o art. 5(3) (local da colisão) conduzem à competência da jurisdição italiana para processar a ação de indenização do prejuízo direto do condutor francês em face do condutor italiano. Tal decisão foi confirmada pela Corte de Cassação francesa, em julgamento de 24 de março de 1987.
Tratando-se de demandas conexas que sejam da competência exclusiva de juízes diversos, deve prevalecer a competência do juiz a quem primeiro for submetida uma das demandas, devendo os demais declinar de sua competência em favor daquele primeiro juiz (art. 23 – C e art. 29 – R).
1.10 Medidas provisórias ou cautelares
Os artigos 24(C) e 31(R) admitem a possibilidade de se ajuizarem medidas provisórias ou cautelares previstas em um determinado Estado contratante perante o foro desse Estado, mesmo que a competência para conhecer da questão de fundo recaia sobre outro Estado contratante.
A razão de ser de tal norma é possibilitar que medidas acautelatórias urgentes sejam providas de modo a garantir a salvaguarda de bens, impedir medidas irreparáveis, garantir execuções posteriores e garantir a colheita de provas.
Assim, destaca-se a competência do foro onde essas medidas preventivas devem ser cumpridas da função do juiz que é originalmente competente, por força da Convenção e do Regulamento, para apreciar o mérito da questão.
Ainda que seja inegável a importância da norma em questão, que evita, em casos urgentes, a demora inerente a todo procedimento internacional, e, ainda, permite que a medida provisória seja apreciada pelo juiz mais próximo jurídica e materialmente de tal medida, deve-se ter cuidado para evitar que a concessão da medida provisória nos termos dos arts. 24(C) e 31(R) subtraia a utilidade do julgamento da própria questão de fundo pela autoridade efetivamente competente.
Em outras palavras, deve-se evitar que a incidência dos arts. 24(C) e 31(R) torne sem aplicação prática as demais regras de competência da Convenção e do Regulamento, cuidando para que a simples concessão de uma medida acautelatória torne sem valia o julgamento de mérito pelo juiz competente nos termos da Convenção e do Regulamento.
Um exemplo prático da utilidade dos arts. 24(C) e 31(R) é possibilitar o arresto de bens no foro de sua respectiva situação, de modo a garantir a execução de um determinado crédito em ação a ser proposta no foro do domicílio do devedor (art. 2) ou no foro onde a obrigação inadimplida deveria ter sido cumprida (art. 5(1)).
- Convenção de Lugano Relativa à Jurisdição e à Execução de Sentenças em Matéria Civil e Comercial
Considerando que o texto da Convenção de Bruxelas, conforme consolidado após as alterações introduzidas pela Convenção de San Sebastian, repete os termos da Convenção de Lugano, neste item iremos abordar apenas as regras da Convenção de Lugano que diferem das normas da Convenção de Bruxelas analisadas nos itens precedentes.
Já se disse que a disposição específica introduzida no art. 5(1) em relação à competência no âmbito das relações trabalhistas decorreu da Convenção de San Sebastian. Todavia, a redação que prevaleceu na Convenção de Lugano é menos favorável ao trabalhador.
Tanto na Convenção de Bruxelas quanto na de Lugano é prevista a competência do lugar onde o trabalhador exerce habitualmente seu trabalho. Mas se ele exerce seu trabalho em diversos lugares, a Convenção de Bruxelas lhe faculta ajuizar a reclamação trabalhista no foro onde se situa, ou onde se situava, o estabelecimento que o contratou. Já a Convenção de Lugano determina que a ação seja proposta no foro da situação do estabelecimento que contratou o trabalhador.
As cláusulas de eleição de foro em matéria de contrato de trabalho também não recebem o mesmo tratamento nas duas convenções sob análise. Enquanto a Convenção de Bruxelas, conforme redação introduzida pela Convenção de San Sebastian, permite a validade de uma cláusula de eleição de foro anterior ao nascimento do litígio, se invocada pelo trabalhador por lhe ser favorável, a Convenção de Lugano é taxativa em reconhecer os efeitos apenas das cláusulas de eleição de foro posteriores ao início do litígio.
O seguinte exemplo é elucidativo: um assalariado francês, domiciliado na França, e seu empregador domiciliado na Suécia acordam no contrato de trabalho cláusula de eleição em favor dos tribunais franceses. De acordo com a Convenção de Lugano, tal pacto atributivo de jurisdição, mesmo sendo favorável ao trabalhador, não prevalece, sendo ele obrigado a ajuizar reclamação trabalhista contra o empregador no foro de seu domicílio, na Suécia. Já conforme a Convenção de Bruxelas, a faculdade de observar, ou não, a cláusula de eleição de foro é do trabalhador, podendo ele ajuizar a ação no foro eleito, que coincide com o do seu próprio domicílio.[66]
A última distinção entre as duas Convenções se verifica na redação do art. 16(1), “b”, que trata da exceção à regra forum rei sitae nos contratos de locação de imóvel por temporada.
Enquanto a Convenção de Bruxelas é mais rígida na admissão de tal exceção, exigindo que tanto o locatário quanto o locador sejam pessoas físicas domiciliadas em um mesmo Estado contratante diverso daquele onde se situa o imóvel, no regime da Convenção de Lugano basta que o locatário seja pessoa física, podendo ele e o locador serem domiciliados em foros diversos entre si, desde que nenhum dos dois tenha domicílio no foro da situação do imóvel.
A redação que prevaleceu na Convenção de Lugano acabou por preocupar os Estados do Sul da Europa (como Espanha, Itália e Grécia), que ficaram temerosos de que vários processos relativos a locações por temporada envolvendo imóveis situados em seus respectivos territórios fossem propostos no foro do domicílio dos locatários domiciliados no Norte do continente (Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Holanda etc.)
- Quadro comparativo entre a Convenção de Bruxelas/Regulamento n° 44/2001 e o ordenamento jurídico brasileiro
Como se viu, no sistema da competência internacional concorrente da Convenção de Bruxelas e do Regulamento n° 44/2001, a competência do foro do domicílio do réu surge como regra geral, devendo as demais hipóteses de competência concorrente previstas no artigo 5 somente ser aplicadas excepcionalmente, a fim de preservar a segurança jurídica que é a base da Convenção e do Regulamento.
Já no sistema brasileiro, não há uma supremacia entre as hipóteses de competência concorrente constantes dos três incisos do art. 88 do CPC e do art. 12, caput, da LICC. O domicílio do réu não é elemento de conexão prevalente em relação ao lugar de cumprimento da obrigação ou ao local de ocorrência do fato ou ato jurídico.
A diferença é que enquanto em uma convenção internacional é necessário harmonizar-se as diversas hipóteses de competência, em razão da incidência de elementos de conexão situados em Estados contratantes diversos, no ordenamento jurídico nacional esse fenômeno não ocorre, bastando estar presente um dos elementos de conexão previstos na legislação interna para que se verifique a competência da respectiva autoridade judiciária.
Nessas condições, a competência internacional concorrente da autoridade judiciária brasileira verifica-se pela simples presença de um dos elementos de conexão previstos nos incisos do art. 88 do CPC ou no caput do art. 12 da LICC.
Tanto no ordenamento jurídico brasileiro (art. 88, I, do CPC e art. 12, primeira parte, da LICC), quanto na Convenção de Bruxelas/Regulamento n° 44/2001, optou-se pelo domicílio do réu como elemento de conexão, enquanto a maioria das demais convenções internacionais sobre o tema adota o critério da residência do réu.
Em relação especificamente à competência concernente à matéria contratual, o art. 88, II, do CPC e a segunda parte do art. 12 da LICC não geram muitas dúvidas, prevendo a competência da autoridade judiciária brasileira quando no Brasil tiver que ser cumprida a obrigação. Por seu turno, no âmbito da Convenção de Bruxelas o art. 5(1) deu origem a vasta discussão jurisprudencial, envolvendo, como visto acima, a definição do que vem a ser considerado “matéria contratual”, a própria noção de obrigação litigiosa e o que se entende por lugar de execução da obrigação em causa. Isso ocorre porque a diversidade de ordenamentos jurídicos abrangidos pela Convenção faz com que certos conceitos básicos sejam distintos em cada Estado contratante, tornando-se indispensável a adoção de definições uniformes no âmbito jurisprudencial, de modo a se evitar decisões conflitantes no âmbito da citada Convenção. Algumas definições foram introduzidas pelo Regulamento n° 44/2001, como o que se entende por “local de execução da obrigação que serve de base à demanda” em se tratando de contratos de venda de mercadorias e prestação de serviços.
O ordenamento brasileiro não trata especificamente da competência em relação à matéria extracontratual, como fazem a Convenção e o Regulamento no art. 5(3), prevendo no inciso III do art. 88 como elemento de conexão processual o ato praticado ou o fato ocorrido no território brasileiro, ato ou fato lícito ou ilícito, que entre no mundo jurídico e do qual se irradie responsabilidade. Como preceitua a doutrina brasileira, essa responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, sendo ampla a interpretação conferida aos termos do citado dispositivo.
Por outro lado, como o Código de Processo Civil brasileiro é taxativo ao fixar a competência concorrente em razão da ocorrência do fato gerador em território nacional, não se verifica na jurisprudência pátria discussão semelhante à que se estudou acima, originária da Corte de Justiça européia, sobre o estabelecimento da competência tendo em vista o local em que ocorrerem os efeitos oriundos do fato danoso, nas hipóteses em que fato e conseqüência não se verifiquem no mesmo lugar.
A clássica regra forum rei sitae é consagrada tanto na legislação brasileira quanto na Convenção de Bruxelas/Regulamento n° 44/2001 como hipótese de competência exclusiva. Nesse aspecto, a distinção que se verifica é relativamente às ações envolvendo contrato de locação. Enquanto na Convenção e no Regulamento a competência exclusiva do local onde se situa o imóvel locado é prevista, respectivamente nos arts. 16(1) e 22(1), o inciso I do art. 89 do CPC e o § 1º do art. 12 da LICC deram origem a duas interpretações distintas: uma corrente entende estarem abrangidas nas citadas normas apenas as ações reais, o que não é o caso das demandas envolvendo locação; outra confere interpretação extensiva aos dispositivos em questão, concluindo abrangerem eles todas as ações envolvendo imóvel, independentemente de sua natureza jurídica. Tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileiras prevalece o segundo entendimento.
Em matéria de sucessões a Convenção de Bruxelas e o Regulamento n° 44/2001 não incidem, não havendo, dessa forma, qualquer norma semelhante à do art. 89, II, do CPC, que prevê a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
A estrutura da Convenção e do Regulamento é muito mais complexa, e completa, do que o sistema vigente no ordenamento nacional, indicando várias hipóteses de competência internacional não contempladas na lei brasileira. Nesse sentido são as normas de competência protetiva, e também as hipóteses de prorrogação voluntária de competência, através da cláusula de eleição de foro e do princípio da submissão do réu. Ainda que esses itens sejam discutidos no âmbito da jurisprudência pátria, não constam expressamente do catálogo de elementos de conexão previstos no Código de Processo Civil e na Lei de Introdução ao Código Civil de 1916.
[1] Para fins práticos, será indicado entre parênteses após o número de cada artigo se se trata de dispositivo da Convenção de Bruxelas (C) ou do Regulamento n° 44/2001 (R).
[2] A análise do instituto da litispendência não está abrangida no escopo deste trabalho.
[3] Hélène GAUDEMET-TALLON, Compétence et Exécution des Jugements em Europe – Règlement nº 44/2001, Conventions de Bruxelles et de Lugano. 3ª ed., Paris, Montchrestien, 2002, p. 11.
[4] Alfonso-Luis Calvo CARAVACA, Comentario al Convenio de Bruselas de 27 Septiembre 1968 Relativo a La Competencia Judicial y al Reconocimiento de Resoluciones Judiciales en Materia Civil y Mercantil, Madrid, BOE e Universidad Carlos III de Madrid, 1994, p. 28.
[5] Pierre MERCIER e Bernard DUTOIT, L’Europe Judiciaire: Les Conventions de Bruxelles et de Lugano. Bâle et Francfort-sur-le-Main, Helbing & Lichtenhahn, 1991, pp. 5/6.
[6] “On s’est parfois demandé si la Convention de Bruxelles pouvait être considérée comme du droit communautaire dérivé. Il ne le semble pas; certes elle trouve son fondement dans l’article 293 T.C.E. (ex-220), mais elle ne peut pour autant être classée dans la catégorie des actes communautaires: cette dernière inclut les actes adoptés par les institutions de la Communauté (règlements, directives, etc.) mais non un accord conclu entre les États membres. La différence a des conséquences sensibles: ainsi, lors de l’adhésion de nouveaux états à la Communauté, le droit communautaire leur était automatiquement applicable (sous réserve des dispositions transitoires), alors que la Convention de Bruxelles ne s’entendait à eux que s’ils y adhèraient par une décision propre. La Convention de Bruxelles traite d’ailleurs toujours des ‘États contractants’ (parties à la Convention), et non des ‘États membres (de la CEE). De plus, c’est parce que la Convention de Bruxelles n’est pas du droit communautaire qu’il a fallu un protocole spécial pour attribuer compétence à la Cour de justice des Communautés pour connaître de l’interprétation de cette Convention.” Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., pp. 5/6.
[7] O Protocolo relativo à Interpretação da Convenção de 1968 pelo Tribunal de Justiça atribui competência ao Tribunal de Justiça das Comunidades Européias para a interpretação da Convenção, de modo a uniformizar a jurisprudência no âmbito da CE. Os tribunais da CE podem recorrer ao Tribunal de Justiça para que se determine a correta interpretação de determinado aspecto da Convenção, suscitando uma questão prejudicial, muito semelhante ao reenvio prejudicial previsto no art. 177 do Tratado de Roma.
Três são os princípios básicos adotados pela Corte de Justiça na interpretação da Convenção, para alcançar seu objetivo primordial que é a harmonização das regras de competência internacional de modo a garantir o reconhecimento e a execução, entre os Estados contratantes, das decisões proferidas no âmbito da União Européia: (1) os conceitos previstos na Convenção devem ser interpretados autonomamente, de acordo com os fins da Convenção (vide adiante caso Eurocontrol); (ii) as exceções às regras gerais da Convenção devem ser interpretadas restritivamente; e (iii) não deve ser admitida qualquer discriminação com base na nacionalidade das partes. Elizabeth FREEMAN, The EEC Convention on Jurisdiction and Enforcement of Civil and Commercial Judgments, NorthWestern Journal of International Law and Business, 3, pp. 496/516.
[8] [1976] ECR 1541, caso 29/76, Michael BOGDAN (organizador), The Brussels Jurisdiction and Enforcement Convention – An EC Court Casebook. Haia, Kluwer, 1996, pp. 23/25.
[9] “It is necessary to ensure that the Convention is fully effective, having regard to Article 220 of the EEC Treaty, and such considerations often require that the interpretation of its provisions be ‘independent’ of the provisions of internal laws of particular States and consequently common to them all.” A. McCLELLAN and G. KREMLIS, The Convention of September 27, 1968 on Jurisdiction and Enforcement of Judgments in Civil and Commercial Matters, Common Market Law Review, 20, p. 532.
[10] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 25.
[11] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 55.
[12] Georges A. L. DROZ, Compétence Judiciaire et Effets des Jugements dans le Marché Commun. Paris, Dalloz, 1972, p. 53.
[13] Sobre a distinção entre Direito Uniforme, Direito Uniformizado e Direito Internacional Privado, vide Jacob DOLINGER, Direito Internacional Privado – Parte Geral. 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, capítulo III, pp. 33 e seguintes.
[14] F. A. MANN, em curso proferido na Academia de Direito Internacional da Haia, sustenta que o princípio básico adotado pela Convenção seria o da “residência ordinária” do réu. The Doctrine of International Jurisdiction Revisited After Twenty Years, Recueil des Cours, 1984, v. III, tomo 186 da coleção, p. 69.
[15] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., pp. 60/61. Para a definição clássica de reenvio, vide Jacob DOLINGER, op. cit., capítulo XI, pp. 329 e seguintes.
[16] Note-se que a referida definição de domicílio não se aplica para as causas envolvendo a validade, nulidade ou dissolução de sociedades ou de outras pessoas jurídicas, onde há previsão de competência exclusiva, conforme se verá abaixo, sendo a matéria tratada pelo art. 22, parágrafo 2° do Regulamento (vide item 1.6 (b).
[17] Georges A. L. DROZ, op. cit., p. 142.
[18] “L’idée générale que anime les diverses règles de compétence de l’ art. 5 (C et R) est ‘qu’il existe un lien de rattachement étroit entre la contestation et le tribunal qui est appelé à en connaître.’ C’est donc la notion de proximité (proximité territoriale ou procédurale selon les cas) qui explique les options ouvertes par le texte. La plupart de ces chefs de compétence ont une grande importance pratique et la jurisprudence da la Cour de Justice des Communautés Européennes est particulièrement abondante pour certains d’entre eux (en particulier pour l’art. 5 – 1º (C)).” Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 125.
[19] “In the first place it has been shown that the strictly territorial character of the doctrine of international jurisdiction has been much relaxed by the need to treat reasonable closeness of contact as a substitution for or, to put it as its lowest, a supplementary element in, the commanding position of territorial sovereignty.” F. A. MANN, op. cit., p. 67.
[20] Como enfatiza Hélène GAUDEMET-TALLON, “Contrairement à ce que certains avait pu penser, l’art. 2 (C et R) n’a donc nullement un caractère résiduel mais au contraire la règle de base de la Convention et du règlement. Ce principe général d’interprétation restrictive des règles dérogatoires à l’art. 2 (C et R) parait de bonne méthode.” op. cit., p. 127.
[21] Caso Somafer SA v. Saar-Ferngas AG: [1978] ECR 2183, caso 33/78, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 62/66.
Caso Six Constructions Ltd v. Paul Humbert: [1989] ECR 341, caso 32/88, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 252/256.
[22] A referência à competência específica decorrente do contrato de trabalho foi introduzida na Convenção de Bruxelas pela Convenção de San Sebastian em 1989.
[23] [1983] ECR 987, caso 34/82, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 136/139.
[24] Sobre a proximidade como princípio, vide Jacob DOLINGER, Evolution of Principles for Resolving Conflicts in the Field of Contracts and Torts, Recueil des Cours, 2000, (tomo 283 da coleção), p. 376 e seguintes.
[25] [1982] ECR 825, caso 38/81, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 121/123.
[26] [1976] ECR 1497, caso 14/76, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 19/22.
[27] [1987] ECR 239, caso 266/85, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 221/225.
[28] Hélène Gaudemet-Tallon, op. cit., p. 146.
[29] [1976] ECR 1473, caso 12/76, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 15/18.
[30] Hélène Gaudemet-Tallon, op. cit., p. 160.
[31] Hélène Gaudemet-Tallon, op. cit., pp. 163/164.
[32] [1988] ECR 5565, caso 189/87, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 247/251.
[33] Hélène GAUDEMET-TALLON sustenta que definir a matéria delitual apenas em oposição à matéria contratual não é um método recomendável, até mesmo porque nem mesmo a matéria contratual recebeu definição precisa da Corte de Justiça. Jurisprudência comentada, Revue Critique de Droit International Privé, 78, p. 121.
[34] Caso Kalfelis v. Schröder, Michael BOGDAN, op. cit., p.250.
[35] “Point ne serait besoin même que la relation délictuelle ne soit que l’accessoire de la relation contractuelle. En toute hypothèse et même si l’aspect contractuel présentait un caractère accessoire par rapport à l’aspect délictuel, c’est l’article 5-1º qui permettrait de décider du juge compétent et non l’article 5-3º. Une solution de ce type nous paraîtrait plus heureuse que celle retenue par la Cour de Justice qui entraîne un fractionnement des compétences. (…) L’article 5-1º suscitait déjà de graves difficultés, sa combinaison avec l’article 5-3º risque d’en soulever d’inextricables et il serait sans doute de bonne politique d’écarter l’article 5-3º lorsque le litige a, même partiellement, même accessoirement, une base contractuelle.” Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 123.
[36] [1976] ECR 1735, caso 21/76, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 26/29.
[37] “La portée de l’arrêt Mines de Potasse D’Alsace se limite donc strictement au cas où dès l’origine il y a dissociation entre le lieu de l’événement causal et le lieu du préjudice et n’aboutit nullement à créer de façon générale un forum actoris en matière de responsabilité délictuelle. L’objectif des textes communautaires n’est en effet pas de fournir systématiquement à la victime une protection sur le plan de la compétence judiciaire, mais seulement d’assurer la compétence des juges, qui, objectivement, sont bien placés pour connaître des circonstances de la cause.” Hélène GAUDEMET-TALLON, Compétence et Exécution des Jugements em Europe – Règlement nº 44/2001, Conventions de Bruxelles et de Lugano, p. 174.
[38] [1990] ECR I-49, caso C-220/88, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 260/264.
[39] 07.03.1995, caso C-68/93, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 366/373.
[40] Michael BOGDAN, op. cit., p. 21.
[41] Michael BOGDAN, op. cit., pp. 65/66.
[42] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 190.
[43] Trust: instituto da Common Law, no qual o trustee é encarregado de gerir bens e exercer direitos em benefício de terceiros.
[44] “Ces règles s’expliquent toutes par le lien particulièrement étroit unissant le fond du litige à un territoire détermine. Ce lien suffit pour justifier ‘l’intégration’ du litige dans la CEE et justifier l’application de la Convention ou de règlement 44/2001. De plus, la loi de l’État des tribunaux désignes par l’art. 16 (C) et 22 (R) sera le plus souvent applicable, soit à titre de lex causae, soit a titre de loi de police.” Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 71.
[45] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., pp. 71/72.
[46] Georges A. L. DROZ, op. cit., pp. 108/110.
[47] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 73.
[48] [1990] ECR I-27, caso C-115/88, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 257/259.
[49] [1994] ECR I-1717, caso C-294/92, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 328/331.
[50] [1994] ECR I-2535, caso C-293/93, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 338/341.
[51] [1985] ECR 99, caso 241/83, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 171/177.
[52] [1988] ECR 3791, caso 158/87, Michael BOGDAN, op. cit., 244/246.
[53] Hélène Gaudemet-Tallon, op. cit., p. 112.
[54] Hélène Gaudemet-Tallon refere-se genericamente a Estados Comunitários, sem fazer distinção Estado contratante em relação à Convenção de Bruxelas e Estado Membro em relação ao Regulamento n° 44/02001; op. cit., p. 89 e seguintes.
[55] Georges A. L. DROZ, op. cit., pp. 134/135.
[56] “On a vu que la validité de l’accord ne dépendait pas de l’existence d’un lien entre le litige et le tribunal et les tribunaux saisis. Le choix de la compétence genérale d’un Etat contractant peut avoir été dicté par le souci d’assurer une complète neutralité des juges éventuellement appelés à intervenir sans que l’on prenne la précaution de désigner spécialement un tribunal.” Georges A L. DROZ, op. cit., p. 132.
[57] [1978] ECR 2133, caso 23/78, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 58/61.
[58] [1986] ECR 1951, caso 22/85, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 210/213.
[59] [1980] ECR 89, caso 56/79, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 77/79.
[60] Michael BOGDAN, op. cit., p. 78.
[61] Caso Powell v. Petereit, [1992] ECR I-1745, caso C-214/89, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 300/306.
[62] Caso Elefantem Schun v. Jacqmain: [1981] ECR 1671, caso 150/80, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 112/117.
Caso Établissements Rorh v. Dina Ossberger: [1981] ECR 2431, caso 27/81, Michael BOGDAN, op. cit., pp. 118/120.
[63] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., 120.
[64] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 199.
[65] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., pp. 275/276.
[66] Hélène GAUDEMET-TALLON, op. cit., p. 413.