L O A D I N G

MINIRREFORMA DA LEI DAS SAS E DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS – PARTE III – FORTALECIMENTO DA CVM

Setembro de 2023

Joaquim Simões Barbosa e Victor Taranto

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-12/barbosa-taranto-minirreforma-leis-fortalecimento-cvm

Um dos principais objetivos do Projeto de Lei nº 2.925/23 é o fortalecimento do enforcement societário do país, isto é, dos mecanismos para a fiscalização e a garantia do cumprimento forçado das normas no âmbito do mercado de valores mobiliários.

A doutrina societária é pacífica ao afirmar que um sistema eficiente de cumprimento das normas é crucial para o desenvolvimento e consolidação do mercado de capitais. Isso porque, quando o enforcement está enfraquecido, por mais diversas e lucrativas que sejam as oportunidades de negócio, o investidor não se sente protegido e as operações no mercado de capitais acabam desincentivadas.

A própria exposição de motivos da Lei do Mercado de Valores Mobiliários (Lei nº 6.385/1976) já destacava à época da sua edição a importância de uma agência governamental para a defesa da economia popular e para o desenvolvimento do mercado de capitais: “A experiência demonstrou que a defesa da economia popular e o funcionamento regular do mercado de capitais exigem a tutela do Estado, com a fixação de normas para emissão de títulos destinados ao público, divulgação de dados sobre a companhia emitente e negociação dos títulos no mercado. Além disso, é necessário que a agência governamental especializada exerça as funções de polícia do mercado, evitando as distorções e abusos a que está sujeito” [1].

Com o intuito de atribuir maior robustez institucional à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o PL propõe uma ampliação dos poderes do órgão. Com tais alterações, e caso seja aprovado o projeto, a autarquia passará a poder:

(1) Realizar inspeção, na sede social, no estabelecimento, no escritório, na filial ou na sucursal de empresa investigada, de estoques, de objetos, de papéis de qualquer natureza, de livros comerciais, de computadores e de arquivos eletrônicos, e extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos;

(2) Requerer ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão de objetos, de papéis de qualquer natureza, de livros comerciais, de computadores e de arquivos magnéticos de empresa ou de pessoa física, no interesse de inquérito ou processo administrativo;

(3) Requerer vista e cópia de inquéritos policiais, de ações judiciais de qualquer natureza, de inquéritos e de processos administrativos instaurados por outros entes federativos, observadas pela Comissão de Valores Mobiliários as mesmas restrições de sigilo eventualmente estabelecidas nos procedimentos de origem; e

(4) Compartilhar com as autoridades monetárias e fiscais o acesso a informações sujeitas a sigilo, observadas pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas referidas autoridades as mesmas restrições de sigilo perante terceiros aplicáveis às informações em sua origem.

Destaca-se que muitas dessas atribuições especificadas acima são realizadas através da Polícia Federal, mediante triangulação com a CVM. Contudo, a mudança proposta parte do reconhecimento de que, tratando-se de matéria societária, é recomendável o envolvimento da autarquia nas diligências que ocorram no âmbito do mercado de valores mobiliários, tendo em vista seu conhecimento técnico e capacitação na matéria.

Uma das principais ferramentas que o PL dispôs para fomentar a governança no mercado de capitais são as ações de responsabilidade [2], o denominado private enforcement. É neste âmbito que talvez residam as mais importantes novas atribuições da CVM: (1) a possibilidade de modificar percentuais mínimos de participação que legitimam acionistas e investidores para propositura de ações de responsabilidade, bem como de determinar outros parâmetros como referência para essa legitimação extraordinária e (2) a aprovação de transações que visem o encerramento de ações de responsabilidade.

Os requisitos fixados pelo PL para a propositura pelos acionistas minoritários das ações derivativas são (1) participação que represente no mínimo 2,5% do capital social ou (2) participação com valor igual ou superior a R$ 50 milhões. O projeto permite que a regulamentação futura da CVM mexa nesses percentuais mínimos, poder que se espera seja exercido com muita cautela, para não ensejar aventuras judiciais por parte de acionistas oportunistas que não possuam efetiva representatividade.

Vale lembrar que a CVM tem historicamente exercido com grande parcimônia a prerrogativa a ela legalmente atribuída de reduzir percentuais estabelecidos pela própria lei como requisitos para o exercício de direitos. De fato, a redação dada ao artigo 291 pela Lei nº 10.303/2001, previu a possibilidade de a CVM reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social, as porcentagens aplicáveis para o exercício de alguns direitos, tendo a autarquia, contudo, se valido dessa faculdade para regulamentar apenas uma das nove matérias contidas no rol do artigo 291: o direito de requerer a adoção do voto múltiplo para eleição do conselho de administração e funcionamento do conselho fiscal (ICVM Nº 165/1991 e ICVM Nº 324/2000).

Ademais, conforme abordamos em artigo que comenta as alterações trazidas no PL com relação às arbitragens societárias [3], a minirreforma introduz importantes alterações no instituto que tocam a autarquia. Nesse sentido, o projeto concede à CVM a faculdade de participar das arbitragens que tenham por objeto matérias que estejam incluídas na sua competência, tornando obrigatória sua intimação pelas partes do procedimento para que ela, querendo, ofereça parecer ou preste esclarecimento, em uma espécie de amicus curiae, estendendo, assim, às arbitragens uma prerrogativa que já existia relativamente aos processos judiciais, nos termos do artigo 31 da Lei do Mercado de Valores Mobiliários.

Por fim, convém mencionar que as novas atribuições da CVM somente se tornarão efetivas se vierem acompanhadas de um maior investimento na autarquia que, atualmente, padece com falta de servidores, já que, para colocar em prática os novos poderes de fiscalização, será necessário dispor do corpo técnico e dos recursos materiais adequados.

[1] Item 4 da Mensagem nº 203, de 2 de agosto de 1976. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/institucional/sobre-a-cvm/EM197Lei6385.pdf

[2] Sobre as mudanças da minirreforma nas Ações de Responsabilidade confira: https://www.conjur.com.br/2023-ago-01/simoes-barbosa-lei-sas-mercado-valores-mobiliarios

[3] https://www.conjur.com.br/2023-ago-17/simoes-barbosa-arbitragem-minirreforma-lei-sas