SOLAR, EÓLICA, HIDROGÊNIO E AMÔNIA VERDES – QUARTETO QUE PODE BRILHAR NA QUESTÃO CLIMÁTICA.
Mas licenciamento ambiental é ponto de atenção.
Joaquim Simões Barbosa
In: Canal Energia – 06/2021
Imagine um complexo em que uma usina solar captura a energia do sol durante o dia, um parque eólico faz o mesmo com a energia dos ventos, principalmente durante a noite, e toda a energia assim gerada é direcionada para a produção, primeiro, de hidrogênio verde em uma planta de eletrólise e, em seguida, de amônia verde.
Empreendimentos como esse podem vir a desempenhar papel decisivo no solucionamento daquele que é, possivelmente, o maior desafio enfrentado pelo planeta na atualidade: o aquecimento global.
Energia solar e eólica são fontes renováveis e abundantes, que não produzem emissões de CO2 e, portanto, não contribuem para o efeito estufa e para o aquecimento global. O problema é que essas fontes, por sua própria natureza, são intermitentes. O sol não brilha à noite, o vento nem sempre sopra. Para que elas possam vir a desempenhar um papel realmente significativo na equação energética do planeta é necessário encontrar uma forma de estocar a energia produzida para poder utilizá-la nos momentos em que o sol ou o vento não estejam disponíveis. Pensou-se na utilização de mega baterias, mas ainda não foi possível desenvolver equipamento com a escala que seria necessária para fazer sentido econômico. Foram desenvolvidos parques mistos, com a energia solar e a eólica complementando-se mutuamente, mas essa também não é uma solução inteiramente satisfatória, pois ela não elimina por completo a intermitência (às vezes os dias ficam nublados e as noites são de calmaria).
O hidrogênio verde pode ser a resposta para esse problema. Trata-se de um combustível que também não é poluente (no lugar do CO2, emite vapor de água). E que hoje pode ser produzido por eletrólise da água, processo de fabricação que utiliza basicamente dois insumos: água e eletricidade. Tradicionalmente, a fabricação de hidrogênio por esse processo enfrenta uma dificuldade básica: a energia que o hidrogênio produzido é capaz de gerar como combustível é inferior à energia empregada na sua produção. Ou seja, há um déficit que torna a atividade ineficiente do ponto de vista energético.
Quando a fonte produtora da energia utilizada no processo de fabricação do hidrogênio é a solar e/ou a eólica, porém, essa circunstância deixa de ter maior relevância. A ineficiência energética desaparece, pois, ainda que não seja possível transpor para o hidrogênio toda a energia empregada na sua fabricação, o processo alcança o objetivo que é há muito perseguido: armazenar ao menos parte da energia gerada pelas usinas solares e parques eólicos em um meio que possa ser guardado e transportado para utilização a qualquer momento.
E a amônia? Ela é um aprimoramento que pode tornar o processo ainda mais interessante, pois simplifica o armazenamento e transporte do combustível. A amônia pode ser produzida a partir do hidrogênio, é menos inflamável e pode ser estocada a temperaturas mais elevadas, o que facilita seu armazenamento e transporte. No destino a amônia pode ser facilmente reconvertida em hidrogênio para utilização como combustível. Além disso, está sendo estudada a sua utilização direta como combustível, tecnologia que estaria em vias de se tornar uma realidade.
O quarteto de que trata este texto já está em ação em vários países. Um projeto de 5 bilhões de dólares, por exemplo, está sendo implantado na Arábia Saudita por uma joint venture entre a Air Products e a Acwa Power. Na Austrália surge o Asian Renewable Energy Hub, conhecido pela sigla AREH, tido como o maior projeto de hidrogênio verde do mundo.
Esse último, por sinal, vem enfrentando problemas que colocam em evidência um aspecto que aqui se quer ressaltar: mesmo tendo potencial para redimir o meio ambiente, contribuindo decisivamente para a resolução do problema do aquecimento global, esse tipo de empreendimento não fica isento da obtenção de licenciamento ambiental e, sem os devidos cuidados, pode vir a sofrer reveses importantes nessa área.
É o que vem experimentando o AREH, apesar de toda a sua grandiosidade e de toda a expectativa positiva que gera. A edição do dia 22/06/2021 da publicação eletrônica Stockhead, que cobre o mercado acionário australiano, informa que o festejado multibilionário projeto foi suspenso por ordem do Ministério do Meio Ambiente da Austrália, tendo em vista receios de danos a uma praia protegida, a espécies de aves ameaçadas de extinção e por conta de possíveis distúrbios nos movimentos da maré que poderiam afetar a fauna marítima da região.
Também no Brasil a regularidade das licenças ambientais é imprescindível para o funcionamento de um empreendimento como esse. Na verdade, conforme dispõe a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), configura crime “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. A pena prevista é de detenção, de um a seis meses, ou multa, podendo essas penas serem aplicadas cumulativamente.
A competência para licenciar é dividida entre União, Estados e Municípios e está prevista na Lei Complementar nº 140/2011. De um modo geral, pode-se dizer que a competência da União ocorre em situações específicas exaustivamente indicadas na lei (como, por exemplo, o licenciamento de empreendimentos que sejam localizados em dois ou mais estados, no mar, em terras indígenas ou em unidades de conservação instituídas pela União), enquanto a dos Estados e Municípios inclui as demais atividades e empreendimentos que possam causar impacto ambiental em seus respectivos territórios.
Tradicionalmente, a licença ambiental compreende três atos administrativos distintos: (a) a Licença Prévia (LP); (b) a Licença de Instalação (LI); e (c) a Licença de Operação (LO). Esse modelo está previsto na Resolução CONAMA nº 237/1997, mas os Estados criaram licenças ambientais mais específicas considerando o grau de impacto e a natureza típica do empreendimento, como, por exemplo, a Licença Ambiental Concomitante (LAC) e a Licença Ambiental Simplificada (LAS) no Estado de Minas Gerais.
O processo de licenciamento tradicional, chamado de trifásico, começa com a avaliação prévia de impacto ambiental, quando o Poder Público avalia a viabilidade do empreendimento do ponto de vista do meio ambiente, por exemplo, sua localização e concepção, e determina os estudos ambientais que deverão ser apresentados para permitir essa análise e a emissão da Licença Prévia (LP). Quando da emissão da LP o órgão ambiental poderá adotar medidas mitigadoras, compensatórias ou proibitórias. A LP, de modo geral, tem prazo máximo de 5 (cinco) anos, ao longo do qual o postulante deve cumprir as condicionantes impostas ou obter a prorrogação do seu prazo de execução. Por meio da Licença de Instalação (LI), o órgão ambiental autoriza a construção do empreendimento após analisar o cumprimento das condicionantes impostas pela LP, podendo estabelecer novas condicionantes, agora relacionadas ao início da construção do empreendimento. De modo geral, a LI tem prazo de validade de 6 (seis) anos. Cumpridas as condicionantes da LI, o empreendedor deve solicitar e obter a Licença de Operação (LO), que autoriza o funcionamento do projeto. A LO e suas condicionantes regularão o dia a dia da operação do empreendimento e seu prazo de validade varia de acordo com a legislação do órgão concedente.
É verdade que, dependendo do potencial poluidor do empreendimento, o ente competente pode simplificar o licenciamento, eliminado algumas das fases antes referidas e reduzindo os Estudos Ambientais exigidos, o que pode ter impacto significativo, já que esses estudos costumam ser custosos, criteriosos e trabalhosos. É muito comum que os Estados utilizem a possibilidade de simplificação do processo de licenciamento ambiental para incentivar a adoção de empreendimentos mais sustentáveis. O Estado da Bahia, por exemplo, que é o Estado com maior capacidade instalada de usinas solares fotovoltaicas, adota uma série de medidas de incentivo à energia solar, que, em alguns casos podem ser objeto de uma Licença Unificada (LU). Não se tem notícia, porém, de iniciativa desse tipo aplicável a um “hub” de energias renováveis ao estilo do australiano AREH, antes referido, algo que deveria ser seriamente considerado pelas autoridades competentes.
De qualquer forma, é certo que, na estruturação do empreendimento, grande atenção deve ser dada ao licenciamento ambiental, de maneira a evitar surpresas desagradáveis, como as que ocorreram na Austrália.