L O A D I N G

Produção antecipada da prova, árbitro de emergência e árbitro de prova

Flavia Cristofaro

Julho de 2025

Disponível em : https://www.migalhas.com.br/depeso/434706/producao-antecipada-da-prova-arbitro-de-emergencia-e-arbitro-de-prova

Antes mesmo da edição da lei 13.129/15, que incluiu os artigos 22-A1 e 22-B2 na lei de arbitragem (lei 9.307/1996), já estava pacificado na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a existência de cláusula compromissória ou de compromisso arbitral não afastava a jurisdição estatal nas hipóteses em que as partes precisassem de uma medida de urgência antes da instauração da arbitragem.

Com a inclusão do art. 22-A na lei de arbitragem, foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro a regra de que, antes de instaurado o procedimento arbitral, as partes podem recorrer ao Poder Judiciário “para a concessão de medida cautelar ou de urgência.” Esta previsão tem por objetivo evitar o perecimento do direito ou o próprio resultado útil do procedimento arbitral enquanto o tribunal não esteja constituído.

Tal disposição não representa violação à jurisdição arbitral estabelecida na cláusula compromissória, sendo garantido aos árbitros o poder de rever as medidas cautelares e as tutelas de urgência concedidas pelo juiz, podendo modificá-las ou mesmo revogá-las quando instituída a arbitragem (art. 22-B da lei de arbitragem).

A lei 13.129/15 teve o cuidado de estabelecer um marco temporal para a instituição da arbitragem após a concessão da tutela cautelar ou de urgência, devendo a parte interessada dar início efetivo ao procedimento arbitral no prazo de 30 dias contado da data em que efetivada a concessão da referida medida provisória (parágrafo único do art. 22-A3). Ou seja, a jurisdição estatal nessas hipóteses é provisória e temporária.

Paralelamente à possibilidade de atuação pontual e limitada do Poder Judiciário na concessão de medidas urgentes antes de instaurada a arbitragem, algumas câmaras passaram a inserir em seus regulamentos previsões sobre a atuação do chamado árbitro de emergência.

À primeira vista, como o próprio nome indica, o árbitro de emergência teria competência4 apenas para processar medidas urgentes, restringindo-se sua atuação ao período anterior à efetiva instalação do Tribunal arbitral. No entanto, como se verá a seguir, algumas câmaras têm atribuído competência ao árbitro de emergência também para apreciar os pedidos de produção de prova antecipada mesmo nos casos em que tal pedido não seja embasado na urgência.

É usual que o árbitro de emergência seja indicado pela própria câmara escolhida pelas partes para administrar o procedimento que virá a ser iniciado, não podendo participar do Tribunal arbitral que será futuramente constituído para julgar o mérito do litígio.

A figura do árbitro de emergência surgiu primeiro nos regulamentos de algumas das principais câmaras internacionais5, tendo, na sequência, a previsão de sua atuação se disseminado no regulamento das câmaras arbitrais sediadas no Brasil.

A Câmara de Arbitragem do Mercado inseriu em seu regulamento, em 2011, a figura do “árbitro de apoio”, com a atribuição de determinar “medidas conservatórias ou reparatórias revestidas de caráter de urgência” antes de constituído o tribunal arbitral.6

Em 2018, a CAM-CCBC7 – Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá inseriu em seu regulamento disciplina sobre o “árbitro de emergência” e em 2019 a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp8 passou a conter em seu regulamento a figura do “árbitro provisório”. Apesar dos nomes diferentes, as atribuições de um e outro são as mesmas: apreciar medidas de urgência antes de ter sido constituído o tribunal arbitral.

Em 2020, foi a vez de a CAMARB9 regulamentar a atuação do árbitro de emergência, medida adotada pela Centro de Arbitragem e Mediação da AMCHAM Brasil10 em 2023 e pelo CBMA11 em 2025.

Questão interessante que se coloca é quem tem jurisdição para processar produção antecipada da prova (“PAP”) quando há convenção de arbitragem.

No âmbito do processo judicial, o CPC de 2015 (lei 13.105/15) introduziu a figura da produção antecipada da prova como ação autônoma. Essa alteração teria origem no entendimento de que as partes teriam um direito autônomo à prova, sendo esta destinada não apenas ao juiz, mas também às próprias partes.12

A urgência deixou de ser requisito obrigatório para a produção antecipada da prova, figurando como uma das hipóteses de cabimento, no inciso I, ao lado de duas outras novidades introduzidas no art. 381 do CPC/15.

Nesse sentido, os incisos II e III do referido dispositivo preveem, respectivamente, que a produção antecipada da prova é admitida quando for “suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito” ou “o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.”13 Isso significa que a ação autônoma para a produção antecipada da prova regulada pelos referidos dispositivos não exige situação de risco, em que a prova a ser produzida pudesse perecer em virtude do decurso do tempo, inexistindo, assim, o requisito da urgência para o seu cabimento.

Além disso, a PAP não exige o ajuizamento posterior de uma ação principal, bastando que a parte requerente demonstre que a produção da prova pode vir a ser utilizada para que se alcance um acordo, se evite o ajuizamento de uma demanda futura ou sirva para instruir uma ação.

Em acórdão detalhado sobre o tema, a 3ª turma do STJ decidiu que, à vista de cláusula compromissória abrangendo todo e qualquer litígio advindo da relação contratual existente entre as partes, sem exceção, a jurisdição para apreciar ação autônoma de produção antecipada da prova não fundada na urgência é exclusiva do tribunal arbitral, eis que inaplicável o art. 22-A da lei de arbitragem:

“Ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do art. 22-A da lei de arbitragem, toda e qualquer pretensão – até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova – instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e III do art. 381 do CPC/15 – deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade exarada pelas partes contratantes.”14

Após esse acórdão, algumas câmaras adaptaram seus respectivos regulamentos para tratar da produção antecipada da prova.15

Em 2023, a CAM AMCHAM editou resolução administrativa16 para tratar especificamente “da aplicação do procedimento de árbitro(a) de emergência ao pedido de produção antecipada de prova”, deixando claro que a atuação do árbitro de emergência se estende às hipóteses em que a prova a ser produzida puder viabilizar acordo entre as partes ou servir para justificar ou evitar ajuizamento de outra demanda. Em outras palavras, no âmbito da CAM AMCHAM, a competência do árbitro de emergência abrange a produção antecipada de prova com ou sem urgência.

O novo regulamento do CBMA, editado em 2025, prevê a competência do árbitro de emergência para a produção de prova indistintamente, o que significa que sua atuação também abrange as hipóteses de PAP fundada ou não na urgência.17

Já a CAM-CCBC atribuiu competência ao árbitro de emergência apenas para a PAP calcada na urgência, tendo criado em 2025 a figura do árbitro de prova para conduzir a produção antecipada da prova desprovida de urgência.18

Medida semelhante foi adotada pela Câmara CIESP/FIESP que, em 2024, regulamentou o procedimento autônomo de provas, atribuindo competência ao árbitro de prova para conduzi-lo.19

Destaca-se na regulamentação da CAM-CCBC dentre as atribuições do árbitro de prova a competência para “decidir sobre a admissibilidade da produção da prova.”20 Isso significa que, discussões à parte sobre o direito autônomo da parte à produção da prova, compete ao árbitro responsável por conduzir um procedimento específico, em primeiro lugar, verificar se, naquele caso concreto, o pedido de antecipação da fase probatória é admissível. Essa atribuição é de extrema importância para evitar a prática de fishing expedition, que destoa do conceito geral de que a parte teria direito à produção da prova útil e necessária ao seu caso concreto, afastando-se um direito ilimitado à prova.

Justamente nesse sentido a Câmara CIESP/FIESP deixou claro que compete ao árbitro de prova decidir sobre o cabimento da prova requerida, o que deve ser feito apenas após a oitiva da parte contrária, “que poderá, observadas legislações específicas aplicáveis à matéria e eventuais abusos de fishing expedition, impugnar a produção da prova.”21 

Ainda que o CPC/15 tenha chancelado à parte um direito autônomo à prova, reconhecendo que a prova não se destina apenas ao juiz, mas também aos próprios litigantes, seguiu a lógica do CPC anterior de que esse direito não é ilimitado, mantendo o conceito de que não são admissíveis provas inúteis ou desnecessárias, sendo o direito à prova limitado pela própria utilidade que esta representa para a linha de ação ou defesa adotada no processo.22

Mesmo não sendo o CPC aplicável à arbitragem, conceito semelhante consta dos regulamentos de diversas câmaras, a exemplo do da CAM-CCBC, que disciplina, em seu art. 27.1, o poder do tribunal arbitral de deferir as provas que considerar úteis, necessárias e adequadas caso concreto.23

Nessas condições, a existência de um direito autônomo à prova tem que conviver com o entendimento que vigora tanto no CPC brasileiro, quanto no âmbito de câmaras de arbitragem aqui sediadas, de que o direito à prova não é ilimitado, sendo indispensável haver uma relação de pertinência com o direito alegado. Essa é uma dificuldade a ser enfrentada na produção antecipada da prova.

Como bem destacou a profª Paula Forgioni, “no ambiente empresarial, a Produção Antecipada de Prova [ou PAP, como tem sido chamada] assume contornos especialmente delicados, pois frequentemente envolve o acesso a informações estratégicas e sigilosas.”24

Considerando que o escopo primordial das disputas submetidas à arbitragem é o da atividade empresarial, os árbitros que vão apreciar o cabimento do pedido de antecipação da prova – sejam os próprios membros do tribunal arbitral, o árbitro de emergência ou o árbitro de prova, conforme o caso – devem ter especial cuidado na análise do pedido, evitando que esse instrumento seja utilizado para fins abusivos.


1 Lei de Arbitragem, Art. 22-A: “Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.”         

2 Lei de Arbitragem, Art. 22-B: “Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.”    

3 Lei de Arbitragem, Art. 22-A, Parágrafo único: “Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.”

4 Aqui é importante relembrar a distinção entre jurisdição e competência. Enquanto a jurisdição é o poder de julgar, a competência é, no dizer de Pontes de Miranda, o poder de julgar “repartido.” É o que Liebman denomina de medida de jurisdição. (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, atualização legislativa de Sergio Bermudes, 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 208. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, v. 1, trad. Cândido Rangel Dinamarco, 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 81). Nesse contexto, a convenção de arbitragem estabelece a jurisdição arbitral e o regulamento de cada câmara estabelece internamente a repartição da competência entre o tribunal arbitral, o árbitro de emergência e o árbitro de prova, conforme se verá ao longo deste artigo

5 “A primeira remissão ao árbitro de emergência foi inserida em 2006, no regulamento ICDR – International Center for Dispute Resolution, da AAA – American Association Arbitration. A partir de então, outras Cortes Internacionais de arbitragem passaram a prever regras semelhantes, destacando-se, como mencionado acima, a CCI (em Português) ou ICC – International Chamber of Commerce. A LCIA – London Court of International Arbitration, por seu turno, optou por algo semelhante ao árbitro de emergência, denominado ‘expedited formation’, no qual disponibiliza a possibilidade de instituição de um Tribunal Arbitral excepcionalmente célere para decidir questões urgentes.”    HERMANNY, Felipe e PEREIRA, Vinicius. O árbitro de emergência: uma interessante alternativa, JOTA 22/09/2018. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-arbitro-de-emergencia-uma-interessante-alternativa. Acesso em 08/07/2025.

6 Capítulo 5 do Regulamento da Câmara do Mercado, de 26/10/2011, ainda em vigor – Disponível em: https://www.camaradomercado.com.br/pt-br/arbitragem.html – Acesso em 08/07/2025.

7 Resolução Administrativa 32/2018 – Disponível em  https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/resolucoes-administrativas/ra-32-2018-ref-procedimento-do-arbitro-de-emergencia/ – Acesso em 08/07/2025; Capítulo IX do Regulamento de Arbitragem 2022 (artigos 21 e 22) – Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regulamento-de-arbitragem-2022/ – Acesso em 08/07/2025.

8 Resolução nº 4/2018. Disponível em: http://34.231.0.115/pt/atos-normativos/regulamento-arbitro-provisorio.html, em vigor desde 07/01/2019 – Acesso em 08/07/2025.

9 Resolução Administrativa nº 06/2020. Disponível em: https://camarb.com.br/resolucao/resolucao-administrativa-n-06-20/ – Acesso em 08/07/2025.

10 Artigo 21 do Regulamento 2023. Disponível em: https://www.amcham.com.br/index/centro-de-arbitragem-e-mediacao – Acesso em 08/07/2025.

11 Artigo 17 e Anexo II do Regulamento de Arbitragem 2025. Disponível em: https://cbma.com.br/arbitragem/regulamento-de-arbitragem/ – Acesso em 08/07/2025.

12 Por todos, YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009.

13 O inciso I do art. 381 é o único que mantém a urgência como requisito da produção antecipada de prova, estabelecendo seu cabimento quando “haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação.”

14 STJ, 3ª Turma, REsp nº 2.023.615/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 20/03/2023.

15 NUNES, Thiago Marinho. Produção antecipada de provas na arbitragem e as recentes mudanças regulamentares. https://www.migalhas.com.br/coluna/arbitragem-legal/421626/producao-de-provas-na-arbitragem-e-as-recentes-mudancas-regulamentares – Acesso em 08/07/2025.

16 Resolução Administrativa nº 3/2023. Disponível em: https://www.amcham.com.br/index/centro-de-arbitragem-e-mediacao – Acesso em 08/07/2025.

17 Art. 1.1 do Anexo I: “A Parte que desejar a nomeação de Árbitro de Emergência para concessão de tutela de urgência ou medida preparatória, incluindo pedido de produção antecipada de provas, deverá apresentar, por via eletrônica, requerimento com os seguintes elementos.” Disponível em: https://cbma.com.br/arbitragem/regulamento-de-arbitragem/ – Acesso em 08/07/2025.

18 Norma Complementar nº 06/2025. Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/regulamento-de-producao-antecipada-de-prova-do-cam-ccbc/ – Acesso em 08/07/2025.

19 Resolução nº 14/2024. Disponível em: https://www.camaradearbitragemsp.com.br/regulamento-de-producao-autonoma-de-provas – Acesso em 04/07/2025.

20 Artigo 9º da Norma Complementar nº 06/2025. Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/regulamento-de-producao-antecipada-de-prova-do-cam-ccbc/ – Acesso em 08/07/2025.

21 Artigo 3º da Resolução nº 14/2024. Disponível em: https://www.camaradearbitragemsp.com.br/regulamento-de-producao-autonoma-de-provas – Acesso em 08/07/2025.

22 CPC – Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (…)

III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito.

CPC – Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

23 Artigo 27 do Regulamento de Arbitragem da CAM-CCBC: “27.1 Caberá ao tribunal arbitral deferir e determinar as provas que considerar úteis, necessárias e adequadas, segundo a forma e a ordem que entender convenientes ao caso concreto” – Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regulamento-de-arbitragem-2022/ – Acesso em 08/07/2025.

Artigo 14.1 do Regulamento de Arbitragem do CBMA: “Em qualquer fase do procedimento, respeitados o devido processo legal e os demais princípios aplicáveis, o Tribunal Arbitral poderá determinar às partes que produzam as provas que julgue necessárias ou apropriadas para o julgamento da controvérsia, bem como indeferir a produção de provas que repute, de acordo com o seu livre convencimento motivado, desnecessárias, inúteis, inapropriadas, protelatórias ou repetitivas” – Disponível em: https://cbma.com.br/arbitragem/regulamento-de-arbitragem/ – Acesso em 08/07/2025.

24 FORGIONI, Paula Andréa. Armadilha processual ou instrumento de pacificação? Os limites da produção antecipada de provas no Direito Empresarial brasileiro https://www.migalhas.com.br/depeso/430669/os-limites-da-producao-antecipada-de-provas-no-direito-empresarial – Acesso em 08/07/2025.