L O A D I N G

Tratamento Legal do Fechamento de Mina: O que foi feito, o que resta fazer


Daniela Bessone
 e Virgilio Borba

Publicado em Práticas Transversais no Direito da Mineração – Volume V da Coleção Mineração e Desenvolvimento Sustentável. Organizado por Cescon Barrieu e IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração. 2024, p. 193-206.

  1. O QUE FOI FEITO

As minas não nascem prontas. A gestação é lenta. Iniciam-se como uma esperança: a perspectiva da existência de um corpo mineral que, quem sabe, poderá no futuro provar-se saudável e passar à vida adulta como mina, apta a produzir riqueza e gerar desenvolvimento. 

Isso não se faz da noite para o dia. São necessários trabalhos de pesquisa, estudos e mais estudos, até que sobrevenha a prova final: a demonstração da viabilidade técnica e econômica do aproveitamento do corpo mineral cuja existência tenha sido provada no curso dos trabalhos. Esse estudo, denominado Plano de Aproveitamento Econômico, deve demonstrar que aquele corpo mineral tem vigor suficiente para amadurecer sob a forma de mina. 

O cálculo dos recursos e reservas minerais é fundamental para revelar seu fôlego. Com base nele, desde logo antecipa-se o tempo em que essa mina em potencial poderá sobreviver, dos pontos de vista técnico e econômico. Nesse momento se define, levando em conta o grau de conhecimento existente, a provável duração de sua vida útil, a Life of the Mine (LoM).

Outro fator, entre tantos importantes ao estabelecimento da viabilidade de um empreendimento mineral, consiste em determinar se o seu nascimento (implantação) e maturidade (aproveitamento) são compatíveis e adequados à preservação do meio ambiente. Para que a mina possa efetivamente ser implantada, após passar pelo crivo de tantos estudos, é necessário que ela obtenha a sua certidão de nascimento.

Essa certidão de nascimento se traduz em uma concessão de lavra, que habilita o seu titular ao desempenho das atividades de extração, desenvolvimento, beneficiamento, aproveitamento e armazenamento de estéreis e rejeitos, e o transporte e a comercialização de minérios, que são, segundo a Lei, as atividades típicas da mineração.

É nesse momento que se deve planejar o fechamento da mina. No momento em que nasce, se deve cuidar do seu fim. 

Essa preocupação nem sempre esteve presente na mente do legislador ou dos órgãos gestores da mineração e do meio ambiente. 

O Código de Mineração, de 1967, e o seu regulamento aprovado pelo Decreto n° 62.934, de 1968, nada dispunham sobre a necessidade de reparação do meio ambiente, e sequer cogitavam sobre o fechamento de mina.

Em um País com cinco séculos de intensa atividade de mineração, a recuperação das áreas degradas seria tratada pela primeira vez apenas no início dos anos 80, como um dos princípios de Política Nacional do Meio Ambiente instituída pela lei n° 6.938/1981.

A Constituição de 1988 dedicou o Capítulo VI à proteção do meio ambiente e o seu art. 225, § 2º impôs àquele que explorar recursos minerais a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma de lei. 

Ainda no âmbito dos empreendimentos destinados à exploração dos recursos minerais, a partir de 12/04/1989, data da publicação do Decreto n° 97.632, tornou-se obrigatória a submissão de um plano de recuperação de áreas degradadas (“PRAD”) ao órgão ambiental competente, já no momento de apresentação do EIA/RIMA.

O objetivo da recuperação de área degradada por empreendimento mineiro, como previsto na Lei 6.938/1981, é tímido, pois cogita apenas do “retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma estabilidade do meio ambiente”. As exigências em relação à elaboração de um PRAD tomaram corpo e todas as leis ambientais (nos âmbitos federal e estadual) contemplam procedimentos rígidos para a elaboração de um tal estudo, a partir de Termos de Referência.

Um PRAD, entretanto, como previsto em leis, não é um Plano de Fechamento de Mina, mas apenas parte dele. Não aborda as questões associadas ao fechamento de uma mina após o shut-down, isto é, o descomissionamento de equipamentos e o desligamento da força de trabalho, principalmente as consequências socioeconômicas advindas do encerramento das atividades mineiras, o monitoramento de atividades de recuperação e o uso futuro da área recuperada.  

Em 2001 – portanto, há pouco mais de 20 (vinte) anos – o então Diretor Geral do DNPM, Marcelo Ribeiro Tunes aprovou, por meio da Portaria n° 237/2001, as Normas Regulamentadoras da Mineração, dentre elas a NRM-20, tratando da Suspensão, Fechamento de Mina e Retomada de Operações Mineiras, e a NRM-21, regulando a Reabilitação de Áreas Pesquisadas, Mineradas e Impactadas.

Por sua vez, a NRM-01 tornou obrigatória a apresentação de um Plano de Controle de Impacto Ambiental de Mineração – PCIAM, como parte integrante do plano de lavra.

Essa regulamentação pôs por terra o expediente de o minerador cessar em definitivo a operação mineira (promover o “fechamento de mina” como conceituado na NRM-20), mediante a simples renúncia ao seu título de lavra. Se o minerador atuasse como uma “sociedade de propósito específico”, isto é, tendo o seu objeto social limitado ao aproveitamento de uma determinada mina, a renúncia seria acompanhada de aprovação da dissolução da sociedade por deliberação da assembleia de acionistas. Aí, então, a sociedade ultimava os seus negócios, demitia empregados, rescindia contratos, realizava ativos e pagava o passivo existente. Encerrada a liquidação, extinta estava a sociedade e, com ela, extintos seus direitos e obrigações.

Esse “fechamento”, se feito antes do advento da Lei n° 6938/1981, sequer exigia a recuperação meio ambiente degradado. Cumpridas as obrigações societárias, a mina estava fechada.

 O Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, editado em maio de 2011, enfatizava a inexistência de normatização adequada:

O marco legal para o fechamento de mina no Brasil atualmente está embasado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 2º e Decreto nº 97.632, de 1989, e na Norma Reguladora da Mineração nº 20, sendo insuficientes para dar conta da complexidade do tema. Limitada e focada apenas na recomposição física da área degradada, a legislação desconsidera aspectos socioeconômicos e não disciplina adequadamente como deve ser o monitoramento das variáveis de controle ambiental e socioeconômico.

Em 2018, o Governo Temer baixou um novo regulamento do Código de Mineração (e de outras leis relativas ao setor mineral) – o Decreto n° 9.406/2018, incluindo o Fechamento de Mina como uma das atividades de mineração e confirmando a responsabilidade do minerador pela recuperação ambiental das áreas degradadas.

Mais adiante, a Lei n°14.066/2020 introduziu significativas modificações no próprio Código de Mineração: dentre essas mudanças, o Código passou a prever a obrigação de o titular da concessão de lavra recuperar o meio ambiente degradado, contemplando o fechamento da mina e o descomissionamento de todas as instalações, incluídas barragens de rejeitos.

No exercício de suas funções, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração – ANM aprovou, por meio da Resolução n° 68, de 30/04/2021, a modificação das NRM n° 20.4 e n° 20.5 e disciplinou, de modo mais detalhado, o fechamento de mina e o respectivo Plano de Fechamento (o “PFM”), incluindo disposições específicas para empreendimentos com barragens, normas que se tornaram aplicáveis a partir de 01/06/2021.

Consta como um dos projetos da Agenda Regulatória da ANM para o período 2022/2024, a atualização da Resolução n°68, de 2021 em relação a exigências para empreendimentos de pequeno porte, de baixa complexidade e reduzido impacto na área. No momento, há apenas estudos preliminares. 

A preocupação do Governo Federal não foi compartilhada, entretanto, pelos Estados membros da Federação. De modo geral, as leis ambientais estaduais não cogitam de um plano de fechamento nem de licenças específicas para essa etapa final de um empreendimento.

Essas leis tratam de estudos ambientais quanto à viabilidade de um empreendimento, sob o ponto de vista ambiental (o EIA/RIMA, por exemplo), estabelecem procedimentos para sua instalação e operação, mas são silentes quanto às questões ambientais e sociais que surgem em razão do encerramento desses empreendimentos.

São exceções o Estado do Rio de Janeiro, o Estado de Minas Gerais e o Estado de São Paulo.

No primeiro caso, o Dec. 44.820, de 02/06/2014, do Governador do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Licenciamento e demais providências de Controle Ambiental – SELCA, já previa uma licença ambiental específica, a Licença Ambiental de Recuperação – LAR, destinada a autorizar “a recuperação de áreas contaminadas nas atividades ou empreendimentos fechados, desativados ou abandonados ou de áreas degradadas”.

O prazo de vigência da LAR corresponde, no mínimo, àquele estabelecido no cronograma de recuperação ambiental da área e, no máximo, a 6 (seis) anos. A conclusão da recuperação ambiental é marcada pela emissão de um Termo de Encerramento que (i) atesta a inexistência de passivo ambiental e (ii) estabelece as restrições do uso futuro da área.

As modificações sofridas pelo SELCA (Decreto n° 46.890, de 23/12/2019 e Decreto n°47.550, de 30/03/2021) mantiveram o regramento tratado na LAR.

O Estado de Minas Gerais foi, nessa matéria, pioneiro: o seu Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM estabeleceu, por meio da Deliberação Normativa nº 127, de 27/11/2008, as “diretrizes e procedimentos para avaliação ambiental da fase de fechamento da mina”.

A experiência colhida durante a execução das normas previstas na Deliberação Normativa COPAM n°127/2008 levou à edição de novas diretrizes para a paralisação temporária da atividade minerária e o fechamento de mina. Isso foi feito por meio da Deliberação Normativa COPAM n° 220, de 21/03/2018.

Essas diretrizes são completíssimas e exigem, por exemplo, para fins de fechamento de mina, a submissão à Superintendência Regional de Meio Ambiente – SUPRAM responsável pela área de abrangência do empreendimento de um Plano Ambiental de Fechamento de Mina (o PAFEM), de um PRAD, a realização de reunião pública no município de localização do empreendimento com o propósito de, dentre outros, discutir o plano nos aspectos sociais correlatos ao fechamento da mina e às propostas de uso futuro da área, segundo o melhor interesse dos stakeholders envolvidos, inclusive da comunidade.

Os documentos que compõem o conteúdo mínimo do PAFEM devem ser aptos a demonstrar que “os objetivos do fechamento da mina serão tecnicamente atingidos” (art. 9º, parágrafo 2º).

No Estado de São Paulo, a CETESB, agência responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de poluição estabeleceu um Procedimento de Desativação de Atividades Potencialmente Geradoras de Áreas Contaminadas, que prevê um Plano de Desativação. 

Certamente, há planos de fechamento tecnicamente próximos da perfeição, cuja execução permitiria que os objetivos da recuperação ambiental da área impactada pela atividade minerária fossem atingidos, inclusive assegurando o uso futuro da área. Sucede, entretanto, que a implementação desses planos tecnicamente perfeitos esbarra muitas vezes na inaptidão do minerador de executá-lo por falta de recursos financeiros.

  1. O QUE RESTA FAZER

Sabe-se que o fechamento de mina exige planejamento adequado, que deve ser executado desde os primeiros anos de operação e ser continuamente revisto durante a vida útil do empreendimento. O rigor na determinação dos custos de recuperação certamente contribui para que tais recursos venham a ser assegurados em tempo hábil.

Mas nem sempre isso ocorre. Há planos que são executados pela metade, recuperação de meio ambiente que não chega a termo seja por falhas na identificação de potenciais problemas, seja pela falta de planejamento, seja pela falta de recursos. 

Sem falar das minas que são simplesmente abandonadas, as minas órfãs. O Estado de Minas Gerais, sempre pioneiro, mantém um Cadastro de Minas Paralisadas e Abandonadas no Estado (versão atualizada em 2022), que mostra o tamanho do problema. Infelizmente, não se conhece igual iniciativa de outros Estados, o que sugere pouco comprometimento com o assunto.

Note-se que o planejamento contínuo para o fechamento de mina não se confunde com a reabilitação simultânea (i.e., conduzida em paralelo à operação), que sem dúvida o integra, mas não o esgota. Há muito mais a se fazer. 

O processo de fechamento de mina passa por descomissionamento, demolição, remoção da infraestrutura, recuperação de ativos, recomposição da paisagem, fechamento de aberturas e acessos subterrâneos, remediação, restauração, manutenção e monitoramento, administração e gerenciamento, treinamento e realocação, e mitigação de disfunções sociais. Sem falar dos imprevistos. Tudo a demandar recursos bastante significativos post mortem do empreendimento, no momento no qual este já encerrou as operações. A título de exemplo da ordem de grandeza dos custos potencialmente envolvidos, o fechamento de uma mina de cobre da First Quantum Minerals no Panamá tem o custo estimado de US$ 800 milhões, enquanto o descomissionamento das barragens de rejeitos de urânio da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caldas, MG, envolverá aproximadamente US$ 500 milhões. 

De um modo geral, os empreendimentos de mineração conduzidos por mining houses de estatura internacional encaram a fase de fechamento com seriedade e empenho. Além de seu autêntico engajamento nos esforços ESG, da pressão por parte das instituições financeiras vinculadas aos Princípios do Equador e afins, e do aspecto reputacional, que lhes é muito caro, essas mining houses de primeira linha dispõem de recursos próprios ou de meios para obtê-los, via financiamentos garantidos por outros ativos. Mas o que dizer das pequenas e médias mineradoras, muitas das quais titulares de um único empreendimento? A matéria jornalística que noticiou o caso da INB mencionado acima tem subtítulo esclarecedor: “Estatal encontra dificuldades para descaracterizar estruturas por problemas de fluxo de caixa”.

Na ausência de um bom plano de fechamento, ou na falta de execução de um plano de fechamento bom, pouco importa, a conta da degradação socioambiental é transferida à sociedade, como no caso da mineração de carvão no Estado de Santa Catarina, mencionado no PNM-2030. Não apenas da degradação resultante dos trabalhos realizados ao longo da vida da mina, como também daquela gerada pelo desaparecimento dos postos de trabalho diretos e indiretos, pela cessação de arrecadação da CFEM e impostos locais, pela interrupção do desenvolvimento gerado pela mina.

O ordenamento brasileiro ainda não contempla nenhuma solução para a questão. Nem a lei, nem a regulamentação aplicável ao setor tratam de alternativas concretas para mitigar o risco. Se o minerador não tiver capacidade financeira para fazer frente aos custos do fechamento da mina, o plano de fechamento não passará de um wishful thinking. Em excelente artigo sobre o tema, Eduardo Vale cita o exemplo da mina de ouro Zortman-Landusky, da Pegasus, cujo abandono pela mineradora falida transferiu para o Estado de Montana, EUA, um passivo ambiental estimado em US$ 90 milhões.

Como os problemas da mineração e suas respectivas soluções não são peculiaridade dessa ou daquela jurisdição, é fundamental saber como outros países com tradição na indústria mineral tratam a questão.

O Plano Nacional de Mineração (PNM) 2050, em fase de consulta pública, informa que vários países mineiros – Austrália (New South Wales, Territórios do Norte, Queensland, Sul, Victoria e Oeste), Canadá (Britsh Columbia, Manitoba, New Brunswick, Territórios do Noroeste, Nova Escócia, Ontário, Quebec, Saskatchewan e Yukon), Alemanha, Irlanda, Inglaterra, Estados Unidos (Alasca, Arizona, California, Montana, Nevada, Novo México, Utah e Washington) – exigem a prestação de garantias financeiras para o fechamento de mina. Ainda segundo o PNM-2050, na américa do Sul, somente Argentina e Equador o fazem.

No cenário internacional, as modalidades de garantia comumente adotadas para esse fim são (i) depósitos em escrow accounts, expressos em percentual do faturamento ou com valor específico, efetuados progressivamente em paralelo à operação; (ii) performance bonds emitidos por seguradoras, tendo como beneficiária a agência reguladora; (iii) cartas de crédito emitidas por instituições financeiras, tendo como beneficiária a agência reguladora; (iv) fundos de investimento, em que a mineradora deposita os recursos necessários, tendo como beneficiária a agência reguladora; (v) garantias reais em favor da agência reguladora; (vi) certificado de depósitos e contas de poupança, que funcionam como escrow accounts(vii) aquisição e depósito de títulos emitidos pelo governo ou instituições públicas; e garantia de terceiros.

Evidentemente, a exigência de tais garantias já como condição da outorga da concessão de lavra e/ou da Licença de Operação (LO) deve ser objeto de cuidadosa Análise de Impacto Regulatório. Razoabilidade é o conceito-chave. A regulamentação, se e quando editada, precisa levar em conta o porte do empreendimento, o tipo e grau do impacto causado pela sua operação, a LoM e outros fatores relevantes. A ideia não é afastar investimentos, inviabilizar novos empreendimentos, afetar a competitividade do minerador que opera no País. Mas comportar-se como se o problema não existisse, exigir a elaboração e apresentação de planos de fechamento de mina que ninguém sabe ao certo se serão ou não levados a bom termo, não parece uma opção satisfatória.

O Projeto de Lei 957/2024, de autoria do Deputado Filipe Barros, prevê a inclusão de um novo dispositivo no Código de Mineração contemplando a prestação de garantias de cumprimento:

Art. 41-B. O titular da concessão de lavra deverá apresentar à ANM, no ato da outorga, garantias financeiras suficientes para custeio da execução do plano de fechamento de mina, em especial quanto à recuperação ambiental, na forma do regulamento. 

Parágrafo único. Para empreendimentos mineiros com risco agravado para o meio ambiente ou para comunidades adjacentes, tais como aqueles que preveem a utilização de barragem de rejeitos ou substâncias contaminantes, a ANM poderá exigir garantias suplementares às mencionadas no caput. (NR)

No Estado de Minas Gerais há regra análoga em vigor para o licenciamento de barragens, imposta pelo artigo 7º da Lei Estadual nº 23.291/2019 (Política Estadual de Segurança de Barragens), regulamentada pelo Decreto nº 48.747/2023, cujo termos o minerador deverá prestar caução, a ser mantida desde a instalação da barragem até a conclusão de sua descaracterização, e da recuperação socioambiental da área impactada.

A caução de que trata a lei mineira pode ser prestada em dinheiro, por meio de depósito em conta do Tesouro Estadual; em Certificados de Depósito Bancário (CDB) emitidos pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG; por meio de fiança bancária emitida por instituição financeira com rating em escala local igual ou superior ao da União; ou, ainda, por seguro-garantia, sendo facultada a adoção de mais de uma modalidade de garantia para a mesma barragem.

Já na fase de obtenção da Licença Prévia (LP), o empreendedor deve apresentar proposta de caução para a recuperação socioambiental da área em situações de sinistro ou desativação, ficando a concessão da Licença de Operação (LO) condicionada à comprovação da implementação dessa caução ambiental, a ser executada pelo Poder Público nas hipóteses de abandono da barragem (sua desativação sem que haja o cumprimento das obrigações correlatas de controle, monitoramento ou segurança) ou de sinistro.

É importante observar que a prestação da caução não isenta o empreendedor das responsabilidades de gerenciar os impactos ambientais resultantes das atividades do empreendimento, de descaracterizar barragens quando necessário e de realizar a recuperação da área afetada em seus aspectos ambientais e sociais.

O Decreto nº 48.747/2023 tem sido alvo de muitas críticas, sobretudo por propor mecanismos inalcançáveis. Sem prejuízo do seu necessário aperfeiçoamento, é forçoso reconhecer que, sem garantias de cumprimento, não há como assegurar a observância das normas aplicáveis à desativação das barragens e/ou à recuperação socioambiental, em caso de sinistro.

O mesmo se aplica aos planos de fechamento de mina, que, desacompanhados de garantias, não passarão de promessas, a serem cumpridas ou não, a depender da saúde financeira do minerador no momento do encerramento da sua atividade produtiva.

Ao final de 2023, a ANM promoveu uma reunião participativa restrita tendo como pauta o projeto “Garantias Financeiras e Seguros para Cobrir os Riscos Advindos das Atividades de Mineração”. O projeto consta da Agenda Regulatória 2022/2024 e tem por fim:

Regulamentar a apresentação de instrumentos de garantias financeiras para cobrir riscos das atividades de mineração especialmente quanto ao risco de abandono de mina sem execução do plano de fechamento e mina e aos riscos relacionados à segurança de barragens de mineração”.

A questão está em debate interno no âmbito da ANM desde 11/02/2020 e se encontra, atualmente, em fase de Análise de Impacto Regulatório.

Como adverte o excelente Guia Para Planejamento do Fechamento de Mina lançado em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM, “[h]á que se ter clara a diferença entre garantia e provisão financeira. A primeira é apresentada em favor de terceiros, ao passo que a segunda é uma ferramenta contábil interna.” A garantia existe justamente para a hipótese de inadimplemento, pela mineradora, dos programas contemplados no Plano de Fechamento, porque viabiliza a sua execução por terceiros. É certo que a constituição de provisões seria alternativa muito mais conveniente para a mineradora, que não precisa desembolsar o valor da caução ou pagar prêmios, mas representa grau de risco muito maior para a sociedade.

  1. CONCLUSÃO

Em resumo, no Plano Federal já se fez muito, do ponto de vista normativo e regulatório, no sentido de exigir dos empreendimentos de mineração a elaboração e o aperfeiçoamento contínuo de um Plano de Fechamento de Mina. Passar a exigir garantias de cumprimento para a sua execução é o que resta fazer.

  1. Bacharelado em Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – 1988, Daniela foi sócia de Lobo & Ibeas Advogados (1996-2018) e é sócia fundadora de Borba, Simões Barbosa, Bessone, Cristofaro Advogados – BSBC Advogados (a partir de 2018). Mais de 30 anos de atuação em Direito de Mineração.
  2.  Pós-graduação em Direito Empresarial, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – 1971 Bacharelado em Direito, Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil – 1968. Sócio fundador de Lobo & Ibeas Advogados (1974-2018) e de Simões Barbosa, Bessone, Cristofaro Advogados – BSBC Advogados (a partir de 2018). Mais de 40 anos de atuação em Direito de Mineração.
  3.  É fato que, posteriormente, o fechamento de mina foi excluído do rol das atividades da mineração, conforme a Lei n° 14.066, de 2020 que modificou o Código de Mineração. Essa modificação, entretanto, reafirmou a responsabilidade do titular da concessão por suas obrigações até o fechamento de mina e explicitou, mais uma vez, que o exercício da atividade de mineração inclui a recuperação ambiental das áreas impactadas.
  4.  A ANM foi criada pela Lei nº 13.575, de 2017, e declarada instalada em 20/11/2018, extinguindo-se o DNPM. A administração da ANM compete a uma Diretoria Colegiada.
  5.  PNM-30, item 2.1.6: “Para êxito do fechamento de mina e subsequente revitalização e destinação do uso da área minerada, é fundamental que o processo ocorra desde o início da pesquisa mineral, tendo continuidade até a exaustão das reservas. Este processo deve ser viabilizado com a participação da comunidade e das autoridades locais no desenvolvimento de todas as ações.” Disponível em https://www.gov.br/mme/pt-br/arquivos/pnm-2030.pdf
  6.  Nas palavras da VALE S.A., “o fechamento de mina e a sua respectiva provisão são estruturados concomitantemente à operação, permeando todos os processos associados à atividade minerária (pesquisa e prospecção, implantação, operação e fechamento), e não se limitando apenas ao encerramento das atividades”. Disponível em https://vale.com/pt/esg/fechamento-de-mina-e-uso-futuro#:~:text=Suas%20atividades%20foram%20encerradas%20em,de%20fechamento%20e%20recupera%C3%A7%C3%A3o%20ambiental .
  7.  VALE, Eduardo. Garantias Financeiras e o Fechamento de Minas. Brazil-Canada Seminar on Mine Rehabilitation. (Eds. JULIANO P. BARBOSA; et al). CETEM/MCT. Dezembro, 2003. 301p. pp. 291-301. Florianópolis. Brasil. Disponível em https://www.bamburra.com/Garantias.pdf, pg. 6.
  8.  Notícias de Mineração Brasil, março 2024, disponível em https://www.noticiasdemineracao.com/metais-basicos/ news/1465243/fechamento-mina-cobre-panama-vai-custar-us-800-mi#:~:text=O%20processo%20de%20fechamento%20 da,oito%20anos%2C%20segundo%20avalia%C3%A7%C3%B5es%20internacionais.
  9.  A título de exemplo, veja-se o Plano de Fechamento de Mina do Complexo Minerário – Sistema Minas-Rio, capitaneado pela Anglo American. A sua versão de Junho de 2021 está disponível em: https://brasil.angloamerican.com/~/media/Files/A/Anglo–American-Group/Brazil/sustentabilidade/plano-de-fechamento-de-mina-do-minas-rio.pdf  
  10.  “Os Princípios do Equador estabelecem uma estrutura de gestão de risco, projetada para apoiar as instituições financeiras, que aderem voluntariamente ao compromisso, na tomada de decisões responsáveis a partir da identificação e avaliação dos riscos ambientais e sociais dos projetos. | O pacto foi originado em 2003 e em 2019 foi publicada sua quarta versão, com a evolução do framework os critérios foram sendo atualizados, por exemplo, em relação a consideração dos riscos climáticos nos projetos financiados. | Esse framework de avaliação de projetos considera padrões do International Finance Corporation (IFC) e também as diretrizes de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do Grupo Banco Mundial. Esse cenário mostra que os Princípios do Equador desempenham um papel importante para o estímulo do desenvolvimento sustentável.” https://www.bv.com.br/ bv-inspira/sustentabilidade/principios-do-equador.
  11.  PNM-2030, item 2.1.6: “Um dos maiores passivos ambientais da mineração brasileira situa-se no sul do Estado de Santa Catarina, devido ao histórico da mineração de carvão. Durante mais de um século, essa mineração despejou rejeitos ricos em pirita nas bacias dos rios Tubarão, Urussanga e Araranguá, produzindo a acidificação das águas. Em 1993, o Ministério Público Federal promoveu ação civil pública contra empresas mineradoras e o poder público, com o objetivo de que recuperassem os danos provocados contra o meio ambiente. Em 2007, a União foi condenada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a recuperar área degradada no sul de Santa Catarina, juntamente com as mineradoras que causaram dano ao meio ambiente. A União representada pelo MME, MMA e Advocacia Geral da União, juntamente com as mineradoras, têm executado ações de recuperação ambiental na região da bacia carbonífera.”
  12.  VALE, Eduardo. Op. Cit., p. 6.
  13.  Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/pnm-2050
  14.  VALE, Eduardo. Op. cit. Pgs. 7 e 8
  15.  No Direito brasileiro, penhor, hipoteca, anticrese e alienação fiduciária em garantia.
  16.  Brasil, fiança.
  17.  Para mais informações sobre AIR vide: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/air
  18.  Vide Ofício nº 40719/2023/COPRE/ANM, disponível em https://www.gov.br/anm/pt-br
  19.  Disponível em: https://ibram.org.br/wp-content/uploads/2021/02/00004091.pdf

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PLANO de Controle Ambiental (PCA): Plano de Fechamento de Mina. Anglo American, 2021. Disponível em: https://brasil.angloamerican.com/~/media/Files/A/Anglo-American-Group/Brazil/sustentabilidade/ plano-de-fechamento-de-mina-do-minas-rio.pdf. Acesso em: 28 jun. 2024.

CONHEÇA a importância dos Princípios do Equador. Banco BV, 2023. Disponível em: https://www.bv.com. br/bv-inspira/sustentabilidade/principios-do-equador. Acesso em: 27 jun. 2024. 

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Análise de Impacto Regulatório. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/air. Acesso em: 28 jun. 2024. 

BRASIL. Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Brasília, 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/ lei/l14066.htm. Acesso em: 20 jun. 2024. 

BRASIL. Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017. Cria a Agência Nacional de Mineração (ANM); extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); altera as Leis n º 11.046, de 27 de dezembro de 2004, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e revoga a Lei nº 8.876, de 2 de maio de 1994, e dispositivos do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Brasília, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13575.htm. Acesso em: 20 jun. 2024.