L O A D I N G

STJ invalida instrumento de confissão de dívida por desvirtuar contrato de factoring

No contrato de factoring, também conhecido como faturização ou fomento comercial, uma empresa de factoring compra direitos creditórios de outra empresa, sua cliente. Essa compra é feita mediante o pagamento antecipado de valor inferior ao crédito adquirido, sendo essa quantia descontada do seu preço considerada a remuneração pelo risco da transação. Não se trata de empréstimo de dinheiro, e sim de transferência de recebíveis.  

Os riscos inerentes ao pagamento dos créditos comprados não são da empresa cliente, que apenas será responsável pela sua existência. Assim, caso haja inadimplência do título transferido pelo terceiro devedor, ela não poderá ser responsabilizada, sendo incabível o ajuizamento de ação de regresso. Essa é a característica essencial dessa operação, que a distingue da modalidade pura e simples de empréstimo de dinheiro.

Há, todavia, modalidade de contrato a ela semelhante no âmbito bancário, que é a operação de desconto bancário, em que uma instituição financeira compra créditos de uma empresa, tratando-se de espécie de contrato de mútuo. Neste contrato, é inerente a responsabilização da cedente pelo pagamento dos créditos no caso de ocorrer inadimplemento pelo terceiro devedor, sendo cabível e costumeira a ação de regresso contra a empresa que vendeu seus créditos. Assim, a grande diferença conceitual e prática entre essas operações é a de que, no contrato de factoring, não poderá a cliente ser responsabilizada pelo inadimplemento do crédito comprado de terceiro, não sendo cabível ação de regresso. 

Além disso, as empresas de factoring não são consideradas instituições financeiras e não se submetem à regulação específica do setor, não podendo praticar atividades privativas delas. Assim, qualquer hipótese de tentar tornar indistinguível o contrato de factoring e o contrato de desconto bancário, com a previsão de responsabilização da cliente pelo adimplemento dos créditos comprados, constituiria manifesta irregularidade, tendo em vista que se estaria exercendo uma atividade que é privativa de instituição financeira sem a devida autorização das autoridades competentes para tal. 

Para exercer atividade de instituição financeira, não apenas devem ser preenchidos diversos requisitos, mas também deve haver autorização pelo Banco Central, condições que as empresas de factoring não conseguem atender. Este rigor da regulação se dá para garantir a poupança popular e a regularidade de operações financeiras. Além disso, muitos comerciantes de pequeno e médio porte não possuem acesso ao contrato de desconto bancário, por não possuírem estrutura para conseguir operar junto a um banco, sendo mais viável a opção por um contrato de factoring, que possui papel importante no fomento de suas economias.

Neste sentido, o STJ já havia firmado o entendimento de que são nulas quaisquer cláusulas de recompra de créditos vencidos e de responsabilização das clientes pela solvência dos valores transferidos, assim como também são inválidas notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos.  E, em recém acórdão sobre a questão, o STJ também reforçou o entendimento de que seria inválido instrumento de confissão de dívida decorrente de valores objeto de contrato de empréstimo firmado por empresa de factoring. 

No julgamento do Recurso Especial nº 2106765/CE, aduziu em seu voto a ministra Nancy Andrighi que “[e]m que pese instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil.” Indicou ainda, que esse contrato consistiria “nova roupagem” de título executivo firmado para fins de burlar o entendimento firmado pela Corte sobre o assunto.