CRÔNICA DE UMA TRAGÉDIA HÁ MUITO ANUNCIADA
Dezembro de 2023
Virgilio Borba
Nesses últimos dias a Imprensa dedicou páginas e páginas à tragédia que se abate sobre Maceió: o iminente afundamento do solo em bairros inteiros, engolindo casas e toda uma infraestrutura de fornecimento de água, energia e gás natural. Isso em razão de uma “acomodação abrupta” ou “deslocamento vertical acumulado” de uma ou mais minas operadas pela empresa Braskem S.A. Em outras palavras, trabalhos de extração de sal-gema realizados durante anos, em poços com até 2 mil metros de profundidade em mina hoje inativa, desestabilizaram o solo e formaram crateras que, teme-se, engolirão o que na superfície houver.
O clamor generalizado é recente, mas o risco é antigo. Já em 2010, professores da UFPA alertavam sobre o perigo dessas operações. Outras vozes de especialistas àqueles se juntaram no ano seguinte.
Em 2018, surgiram as primeiras rachaduras nas casas e um movimento dos afetados que começaram a perder as suas casas, estabelecimentos comerciais, escolas, etc. A Braskem então, em 2019, anunciou o fechamento de minas, quantas não se sabe ao certo. A Justiça agiu e, em 2020, condenou a Braskem a pagar as primeiras indenizações.
Um processo de fechamento de mina deve seguir um Plano de Fechamento de Mina (PFM) aprovado pela ANM. As regras aplicáveis em 2019 (NRM 20.4 e 20.5 do extinto DNPM) foram substituídas por outras em 2021. Em essência, deve-se atentar para a avaliação dos riscos decorrentes do fechamento, estabelecer um plano de desmobilização de instalações, etc. A Braskem tinha um plano de fechamento? Ele está sendo seguido? Diante de tantas e antigas ameaças, a ANM fiscalizou a sua execução?
Voltando no tempo. Essa jazida é explorada há anos e por distintos empreendedores, todos do ramo petroquímico. Os riscos inerentes ao seu aproveitamento não surgiram da noite para o dia e talvez não tenham origem em planos de lavra elaborados pela Braskem. A lavra subterrânea tem regras próprias, no Brasil traduzidas pelas Normas Reguladoras da Mineração, especificamente a NRM-04. Assim, surge outra questão: os planos de aproveitamento econômico dessas minas e respectivos planos de lavra avaliaram suficientemente os aspectos ligados à estabilidade dos poços e das instalações subterrâneas e de superfície? A ANM exerceu a fiscalização que lhe cabe fazer?
Todas as operações na mina estão sujeitas a licenciamento ambiental, desde a sua concepção, passando por construção e operação, até o seu fechamento. A competência para o licenciamento cabe ao IMA, o Instituto de Meio Ambiente de Alagoas. O que estabeleceram essas licenças no que tange à segurança das operações, especificamente em relação aos impactos nas áreas na superfície, intensamente povoadas?
A Braskem já anunciou acordo com a Prefeitura de Maceió para pagar uma indenização pelos danos estruturais causados. Anunciou também ter indenizado moradores que tiveram de abandonar as suas casas, embora, pasmem, negue ter responsabilidade sobre o fato que gerou a indenização. Convém que a Braskem explique quanto investiu para o fechamento da(s) mina(s). Quanto ainda deverá investir para que as causas do afundamento do solo sejam evitadas ou mitigadas. A(s) mina(s) estava(m) inativa(s), os movimentos no subsolo, não. Lembrem-se do colapso da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, também inativa e em processo de descomissionamento.
Essa tragédia sai agora da alçada da prefeitura de Maceió, da ANM e do IMA. Outros atores se manifestam: o governo do Estado de Alagoas critica o acordo feito entre a Prefeitura e a Braskem, a Polícia Federal inicia investigações, os MP Federal e Estadual abrem inquéritos para apurar fatos e responsáveis. Até no exterior o assunto repercute. O escritório de advocacia britânico Pogust Goodhead, conhecido por sua atuação na defesa de vítimas do colapso da barragem do Fundão, já se movimenta para acionar a Braskem em países nos quais ela atua. Resta acompanhar detidamente o que daí resultará. Estamos no começo.
Um efeito colateral: um empreendimento malconduzido por uma empresa do ramo petroquímico macula a mineração como um todo e atinge mineradores responsáveis e cumpridores de suas obrigações perante a sociedade e o meio ambiente.