A importância da mineração de terras raras na transição energética
A sigla ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), termo cunhado no relatório da ONU “Who Cares Wins”, como desafio ao desenvolvimento sustentável lançado a atores públicos e privados, está fazendo 20 anos agora em 2024, em franco processo de consolidação.
Um dos principais desafios relativos às questões ambientais, sociais e de governança corporativa é a sustentabilidade na exploração de recursos não-renováveis, sobretudo na área de energia e mineração. Já não há mais qualquer dúvida sobre a inevitabilidade e urgência da tão falada transição energética, afastando-se de matrizes energéticas baseadas em fontes não renováveis ou poluentes, em direção à adoção de sistemas renováveis e com baixa emissão de carbono, alinhados com a nova realidade ambiental e econômica imposta pela emergência climática.
Pode parecer, a princípio e, muitas vezes justificadamente, que a atividade de mineração tenha certa dificuldade de alinhar-se a essa nova realidade, uma vez que não são poucos os recentes desastres ambientais e violações de direitos difusos e coletivos envolvendo mineradoras, sobretudo nos países nos quais a atividade constitui a base de seu desenvolvimento, como o Brasil.
Contudo, a abundância e diversificação dos recursos minerais do país, se extraídos com observância do contexto social e ambiental, além do controle efetivo e rigoroso da atividade, tornam o Brasil um ator central na tão sonhada transição energética.
Não à toa, o recente Decreto 11.964, de 26 de março de 2024, que regulamenta a emissão das debêntures de infraestrutura e das debêntures incentivadas, dá preferência a projetos que possam proporcionar benefícios ambientais e sociais significativos, incluindo as atividades relacionadas à transformação de minerais de terras raras para a transição energética.
O novo decreto representa um importante e novo realinhamento das políticas públicas no setor de energia, rompendo com a prioridade dos projetos relacionados à cadeia produtiva do petróleo e a fontes não renoveis de energia. No lugar, ganham destaque os setores que estão na vanguarda da transição energética, como a produção de hidrogênio de baixo teor de carbono e a transformação de minerais de terras raras para essa transição.
Nesse mesmo caminho, o BNDES e o Ministério de Minas e Energia anunciaram em fevereiro deste ano a criação do FIP Minerais Estratégicos, fundo de investimento em participação que irá mobilizar mais de R$ 1 bilhão para investimentos em empresas com projetos de pesquisa mineral, desenvolvimento e implantação de novas minas de minerais de terras raras, com foco em inovação e sustentabilidade.
Minerais de terras raras é o nome geral dado aos 15 lantanídeos da tabela periódica e a outros dois elementos relacionados, o escândio e o ítrio. Essa nomenclatura decorre do fato de serem elementos químicos normalmente encontrados associados a outros minérios, o que torna mais complexa sua extração. As terras raras estão presentes em mais de 250 substâncias minerais, mas em poucas destas são encontrados em níveis de concentração suficientes para justificar sua extração.
Esses minerais estratégicos, são de grande importância para a transição energética, em diversas aplicações, em decorrência de suas propriedades únicas. Por exemplo, na indústria de energia renováveis, os minerais de terras raras são utilizados em turbinas eólicas, motores elétricos e sistemas de energia solar. Ademais, também são utilizados na fabricação de baterias recarregáveis e catalisadores automotivos, de modo a impulsionar a mobilidade elétrica e, consequentemente, reduzir a emissão de gases poluentes.
O Brasil, vale mencionar, possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, com aproximadamente 22 milhões toneladas, e chegou a dominar o processo de extração de terras raras na década de 50, posteriormente estatizada e absorvida pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil S.A). No entanto, o foco na exportação de minério bruto, principalmente de ferro, e o monopólio chinês do mercado mundial fizeram com que o país deixasse de figurar o pódio da exploração desses recursos minerais.
A extração desses minérios ainda é repleta de desafios: o processo produtivo possui custo elevado, envolvendo o desenvolvimento de rotas tecnológicas complexas, questões radiológicas e ambientais. Tais fatores contribuem para que a extração dos minerais de terras raras esteja inserida em cenário de grandes incertezas, inibindo o desenvolvimento da atividade, sobretudo com apoio da iniciativa privada.
A lavra dos minerais de terras raras utiliza produtos altamente corrosivos e, em determinados casos, pode gerar resíduos radioativos, como o tório e o urânio. Logo, para que se atinja o ideal sustentável da transição energética, é preciso que a legislação e os protocolos de exploração sustentável sejam cumpridos à risca, com equilíbrio entre a exploração do patrimônio mineral e o meio ambiente, o desenvolvimento econômico e social, bem como com a saúde e qualidade de vida das pessoas que possam ser afetadas pela atividade.
Considerando o potencial do país e destes minerais, parece fundamental a formulação de políticas públicas destinadas a estimular a sua produção. A China, por exemplo, país que monopoliza o mercado mundial de minerais de terras raras, investiu não apenas na extração mineral, como também no processo de separação do minério, na produção de superimãs e, ao final, de carros híbridos abastecidos pelos superimãs.
Com a ênfase na transição energética como eixo de desenvolvimento, espera-se que haja melhorias nas oportunidades de financiamento para a atividade mineradora, resultando em um ambiente logístico e de segurança mais robusto, focado na sustentabilidade ambiental e energética. Isso inclui investimentos em pesquisa e desenvolvimento de toda a cadeia produtiva dos minerais de terras raras, acompanhados por protocolos de fiscalização eficazes.
Texto publicado originalmente em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-importancia-da-mineracao-de-terras-raras-na-transicao-energetica-20042024