A ARBITRAGEM NA PRÁTICA
Joaquim Simões Barbosa
No moderno estado democrático de direito o Poder Judiciário é encarregado de compor e solucionar os conflitos que surgem do relacionamento entre as pessoas.
Esse modelo, do Estado provedor da Justiça, foi fundamental para ajudar o homem a se livrar das trevas da barbárie, da lei do mais forte, construindo uma civilização. Mas, alcançada essa primeira conquista mais importante, o modelo tem se revelado insatisfatório para dar conta das necessidades da cada vez mais sofisticada sociedade humana contemporânea.
A Justiça estatal apresenta muitos problemas. Como a sociedade não tem recursos ilimitados para investir em sua permanente expansão, e como a quantidade de conflitos que chegam aos Tribunais não para de crescer, atingindo volumes impressionantes, a Justiça se encontra sufocada por verdadeira avalanche de questões rotineiras. São centenas de milhares de renovações e revisões de aluguéis, cobranças de duplicatas, execuções fiscais e coisas do gênero, diariamente ali despejadas.
Esse ambiente não é favorável ao exame de questões comerciais mais sofisticadas. Os casos se arrastam por muitos anos, os Juizes não têm tempo nem condições de trabalho para se preparar adequadamente para decidir sobre intrincadas questões de direito, envolvendo, muitas vezes, especialidades particularíssimas. Isso, sem falar em questões mais delicadas, como corrupção e despreparo, as quais, infelizmente, se fazem cada vez mais presentes.
Por isso a arbitragem comercial é tão interessante. Ela é uma alternativa privada que apresenta muitas e notórias vantagens em relação à Justiça estatal, comprovadas de forma inequívoca por sua intensa e duradoura prática, ocorrida com grande sucesso em importantes países.
A arbitragem surge quando empresários, ao iniciarem uma relação de negócios, se comprometem a levar para a decisão de árbitros privados quaisquer conflitos que eventualmente ocorram entre eles, no curso dessa relação. Normalmente, as partes já determinam, desde o início, um instituto especializado cujas regras serão usadas para escolha dos árbitros e processamento do caso. Alguns desses institutos, como a ICC de Paris, têm uma longa tradição no ramo, o que garante tranquilidade no processamento do caso.
Assumido esse compromisso, a composição do conflito se torna menos traumática, porque será feita na forma consensualmente adotada pelas partes. Os árbitros terão, provavelmente, as qualificações e a experiência mais recomendáveis para o exame do caso, porque serão escolhidos especificamente para nele atuar. Os árbitros não têm a sobrecarga de casos que os juizes têm e podem decidir de forma rápida.
A arbitragem não chegou a se tornar uma realidade prática no Brasil porque a lei não a favorecia. Em 1996, porém, uma nova e moderna lei veio afastar os obstáculos que haviam historicamente impedido sua utilização efetiva. Ainda assim, foi preciso esperar um pouco mais, pois, logo de início, a constitucionalidade da lei foi colocada em dúvida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal. Até que esse caso fosse definitivamente julgado, o que levou alguns anos, tudo ficou em suspenso. Mas a nova lei acabou sendo considerada constitucional, e agora a arbitragem pode ser usada à vontade, com grande proveito para todos.
É preciso, porém, formar uma cultura da arbitragem, para que ela venha realmente a se tornar rotineira, tal como ocorre em tantos outros países que compartilham conosco os mesmos valores jurídicos e econômicos fundamentais. E preciso que as pessoas, empresários principalmente, saibam que essa alternativa está à disposição delas e que essa opção pode ser muito vantajosa.
Mas a arbitragem interessa também à população em geral, pois se vier a se firmar na prática, poderá ter o efeito de em muito desafogar o Poder Judiciário, contribuindo, assim, para sua melhoria.